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Tensão temporária

Realização de ganhos e apostas em erros de política explicam turbulências nos mercados globais. Por isso, é preciso cuidado para não extrapolar os movimentos de curto prazo.

Após meses de otimismo e tranquilidade, o último trimestre de 2018 foi marcado por uma clara mudança de patamar na volatilidade dos mercados internacionais. Mas como a razão do nervosismo parece estar mais na lógica dos próprios mercados que na economia, as tensões podem ser temporárias.

Depois de uma década de alta histórica das bolsas e dos títulos públicos nos Estados Unidos, os investidores se mostram inseguros em relação ao futuro. Chegou ao fim o cenário de juros baixos, liquidez ampla e expectativa de alta de preços de ativos reais, como imóveis e ações. A leitura é que haverá, a partir de agora, menos recursos financeiros e um ritmo menor de crescimento global.

Este cenário não deveria ser uma novidade. A normalização dos juros americanos teve início há três anos e o consenso de mercado já apontava há algum tempo para uma desaceleração da economia norte-americana em 2019. O fim dos impulsos fiscais e os menores estímulos monetários devem fazer o crescimento convergir para seu ritmo potencial, após trimestres de aquecimento excessivo. Da mesma forma, os indicadores não sugerem que a guerra comercial, a desaceleração na China e, principalmente, o FED já estejam levando a uma nova e inevitável recessão neste ano.

Tampouco a desaceleração na China pode ser considerada uma surpresa. A queda no ritmo de expansão econômica ocorre há uma década e reflete controles periódicos do crédito para adequar o ritmo da expansão de curto prazo à queda estrutural na capacidade de crescimento.

Mas assim como em 2014, os indicadores chineses guiaram os investidores globais e foram o gatilho para uma realização em mercados muito valorizados. Os dados divulgados a partir do segundo semestre de 2018 trouxeram intranquilidade, explicando o desmonte de posições em ativos de risco, como bolsas e commodities.

A correção de preços tem sido potencializada por outros fatores. O primeiro é que os mercados tradicionalmente exageram nas reações de curto prazo, não antecipando totalmente os próximos lances. A queda de preços de commodities e um ritmo mais moderado de crescimento nos Estados Unidos, por exemplo, atenuam a pressão sobre inflação e, com isso, limitam a alta dos juros e do dólar. Ao mesmo tempo, um eventual esfriamento do mercado de trabalho norte-americano eleva os custos sociais e políticos das disputas comerciais, atenuando os riscos geopolíticos.

Além disso, a expansão monetária dos últimos anos nos Estados Unidos e a fragilidade fiscal corrente, reduzem a capacidade de reação da política econômica em caso de uma eventual nova crise financeira, amplificando as incertezas. E quanto menos previsível o cenário, mais os investidores se tornam sensíveis ao curto prazo, hoje marcado por choques frequentes gerados pela maior volatilidade geopolítica[1].

Finalmente, os mercados criam profecias autorrealizáveis. Quanto maior a queda de preços de ativos, maiores os impactos sobre riqueza, confiança e condições financeiras, influenciando, com isso, o ritmo de desaceleração e elevando o risco de um desaquecimento mais brusco.

O que é estranho, no entanto, é a hipótese de que as políticas monetárias na China e nos Estados Unidos não irão reagir a um ambiente de desaceleração mais forte, abrindo mão do papel de coordenadores de expectativas.

De fato, o FED já tem sinalizado que poderá ajustar sua estratégia de política caso haja uma piora relevante dos indicadores econômicos e financeiros. E isso importa porque a hipótese de uma crise financeira mais grave neste momento está associada mais a uma eventual retirada abrupta da liquidez gerada pelo próprio banco central que a um estouro de bolha ao estilo de 2000 e 2008, por exemplo.

Da mesma forma, os estímulos já anunciados pelo governo chinês devem fazer com que indicadores, principalmente o PMI, mostrem sinais favoráveis ao longo dos próximos meses e revertam as expectativas dos investidores. Exatamente como se viu no início de 2016.

Neste caso, a política econômica pode controlar o ritmo da desaceleração global, trazendo maior estabilidade aos mercados e, com isso, diminuindo as chances de um esfriamento mais intenso que o esperado. Supor que não haverá novos incentivos de política é uma aposta arriscada na irracionalidade.

É preciso, portanto, cautela para não extrapolar os movimentos de curto prazo. Tudo sugere que as turbulências financeiras globais sejam um reposicionamento dos investidores após um longo período de ganhos, tendo como gatilho as dúvidas sobre estímulos de política em um ambiente geopolítico volátil. Superado os ajustes em preços e tendo um quadro de desaceleração mais conhecido, os mercados devem se estabilizar.

[1] Ver Bremmer, Ian, Top Risks 2018, Eurasia Group, jan/2018. O ambiente internacional está propenso a acidentes, com riscos elevados, pelo fato de haver uma “recessão geopolítica”, explicada pela frustação generalizada com a política tradicional, pela saída dos Estados Unidos do papel de líder global e pela emergência da China como potência econômica e política.

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