Política de Privacidade

Pergunta errada

Com os investidores começando a se voltar para o tema eleitoral doméstico, é possível que o risco institucional esteja sendo superestimado em detrimento dos desafios fiscais.

Os mercados financeiros locais têm sido guiados desde o início do ano pela agenda externa, com o tema eleitoral doméstico em segundo plano. Este quadro deve mudar a partir de agora não apenas pelas incertezas associadas à corrida presidencial, mas fundamentalmente pelas preocupações fiscais.

É possível que as questões locais estejam sendo subestimadas por dois motivos principais. O primeiro é a leitura de que, a despeito de uma eventual transição política, dificilmente haveria uma mudança abrupta nas regras econômicas ou políticas. O segundo motivo é que as contas públicas caminham bem e o debate sobre regras e gastos no próximo governo não seria algo diferente do que já tem sido visto ao longo do último ano.

Estes argumentos estão corretos. Mesmo sendo curta, a experiência democrática brasileira já mostrou que transições políticas podem ocorrer sem riscos institucionais e que os discursos de campanha raramente são bons indicadores da agenda de governo.

Esta relativa estabilidade de regras pode ser explicada pelo fato de o Brasil ser uma sociedade complexa, com interesses múltiplos e divergentes. Isso torna a sociedade civil forte o suficiente para se contrapor ao Estado e influenciar as decisões de políticas públicas. Mais importante, as instituições têm se mostrado resistentes a ataques. Imprensa livre, mercados, burocracia do Estado e poderes independentes têm conseguido constranger as escolhas do Executivo e incentivar eventuais correções de rumos.

Do ponto de vista das contas públicas, o bom desempenho da arrecadação e a preservação das regras fiscais, ainda que com desgaste em termos de reputação, permitiram a continuidade da trajetória de queda da dívida, algo que foi questionado depois do forte salto dado durante a pandemia.

Mesmo com um aumento de cerca de R$ 100 bilhões nas despesas do governo central no primeiro semestre deste ano, as receitas avançaram neste mesmo período algo próximo a R$ 200 bilhões, permitindo que a dívida bruta do setor público caísse de 80% do PIB ao final de 2021 para os atuais 78%. Apesar de um ambiente fiscalmente ruidoso, a dívida manteve a trajetória de queda após ter alcançado o pico de 89% em 2020.

Estes argumentos, no entanto, subestimam um dos principais desafios de curto prazo da economia brasileira. Com taxas de juros elevadas e uma desaceleração econômica contratada para o próximo ano, a dívida deverá reverter sua trajetória de queda. Em um cenário otimista, em que o teto de gastos não seja alterado e não haja impulsos fiscais adicionais, algo que não está presente em nenhum discurso de campanha, a dívida pública tende a mostrar inflexão em 2023, subindo durante os próximos cinco anos antes de se estabilizar no patamar de 86% do PIB.

Mais importante, a pressão por gastos parece inevitável. Passados quase sete anos de controle de despesas, é natural que haja alguma fadiga desta estratégia. Dificilmente será possível escapar da ampliação dos programas sociais, aumento de salários de servidores ou dos investimentos públicos. Dependendo da crença no papel do Estado do próximo governo, não apenas temas fiscais serão importantes, mas também a questão para-fiscal entrará no radar, com a volta do uso das empresas estatais para estimular a economia.

Parece difícil também evitar um debate sobre alguma reorganização do regime fiscal. Além da necessidade de se rever o processo orçamentário, a regra de ouro, as metas para o resultado primário e o teto e gastos tiveram pouco sucesso em se contrapor às pressões por maiores despesas nos últimos anos.

O resultado deverá ser mais expansão fiscal em 2023. O problema é que parece pouco provável que esta pressão vinda da sociedade seja compensada por uma revisão na estrutura de gastos do setor público. Os fatores que justificaram as reformas a partir de 2016 não estão mais presentes. Com a retomada econômica, não há mais o mesmo desconforto social que explicou uma demanda generalizada e difusa por mudanças urgentes, marca dos últimos anos. Neste novo contexto, será mais difícil que o Congresso aprove uma ampla reforma administrativa ou tributária. O cenário mais provável é de ajustes marginais, como é o padrão do processo legislativo.

Adicionalmente, o contexto internacional incentiva uma política de mais gastos do governo. As transições políticas na Argentina, Chile, Peru, Colômbia e Estados Unidos mostram que o baixo crescimento e a inflação podem gerar danos importantes à popularidade dos presidentes.

Este ambiente faz com que a pressão por mais Estado pareça irresistível e o cenário pós-eleitoral seja dominado pela discussão orçamentária de 2023. Em um cenário global desafiador, a impressão é que o mercado pode estar dando a resposta certa para a pergunta errada. O risco do País não é institucional, mas sim fiscal.

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