Mesmo com maior capital político, o próximo governo enfrentará restrições que limitam as escolhas de políticas
Apesar das incertezas que envolvem as próximas eleições presidenciais, é possível construir um cenário mais claro sobre a agenda econômica do próximo presidente.
Isso porque, por um lado, o desgaste gerado pela crise econômica e pelos escândalos de corrupção criam espaço para discursos eleitorais populistas e nomes menos conhecidos. Mas, por outro, os longos e difíceis ajustes econômicos exigidos neste momento dificilmente permitirão a volta de uma gestão populista.
Já vivemos esta experiência no passado recente. Em 2003 e 2015, as restrições locais e globais levaram a gestões responsáveis, a despeito do discurso de campanha e da ideologia de presidentes com popularidade elevada. Podemos repetir este padrão agora, uma vez que o novo governo poderá enfrentar restrições econômicas bastante sérias. Apesar do esperado aumento do capital político, típico de início de mandatos, haverá limites para a escolha de políticas e estratégias econômicas.
Uma das restrições é a economia global. Além de a desaceleração da economia chinesa reduzir as chances de um novo ciclo de alta de preços de commodities, o próximo ano será marcado pela reversão de estímulos monetários nos Estados Unidos e na Europa. Em particular, o banco central norte-americano deverá continuar elevando a taxa de juros ao mesmo tempo em que retira liquidez do sistema. Da mesma forma, os riscos geopolíticos globais devem continuar em alta, dada a ausência de uma liderança global capaz e interessada em construir alianças e negociar conflitos.
Um quadro global menos exuberante é um incentivo para responsabilidade doméstica. Historicamente, ciclos globais favoráveis criam espaço fiscal e monetário para políticas pouco responsáveis, ao mesmo tempo em que os investidores se mostram mais tolerantes com erros de gestão. Este tem sido o padrão latino-americano: crescimento e liquidez globais incentivam gestões populistas que, invariavelmente, acabam em violentas crises econômicas e políticas. O resultado é um período necessário de correção, fazendo com que o pêndulo se mova em direção à maior responsabilidade.
Domesticamente, a economia deverá se manter em recuperação, mas ainda abaixo de sua plena capacidade. Isso significa que o desemprego continuará acima de sua média histórica, inibindo uma retomada mais rápida da confiança do consumidor. Neste caso, a arrecadação do governo e a rigidez de gastos inchados ao longo do último ciclo de crescimento mantêm elevada a preocupação com a dinâmica de dívida.
Com um ambiente global menos exuberante e piores fundamentos fiscais, os fluxos de capitais para o Brasil deverão continuar instáveis, seguindo o padrão observado após o rebaixamento da classificação de risco soberano para o grau especulativo. Neste caso, a capacidade de se manter a atratividade do País e ancorar as variáveis financeiras, principalmente o câmbio, irá depender de uma gestão responsável na área fiscal e monetária. Crescimento econômico, estabilidade de dívida e inflação na meta serão relevantes em um mundo menos exuberante.
Justamente por isso, dificilmente haverá espaço para aventuras. O controle da dívida continuará sendo feito pela mudança na estrutura da despesa pública, o que torna inevitável a reforma da previdência, independentemente das preferências ideológicas.
Na mesma linha, a busca por receitas extraordinárias e a necessidade de estimular o crescimento continuarão sendo incentivos para o aumento da eficiência da gestão pública e para a volta do programa de privatização, principalmente em infraestrutura. Por último, os avanços institucionais recentes, como a definição do teto de gastos e a criação do Instituto Fiscal Independente, serão restrições importantes que reforçam a leitura de continuidade da responsabilidade fiscal.
Este padrão confirma a tese que as circunstâncias guiam governos e políticos. Quando há poucas restrições econômicas, cria-se espaço para gestões ideológicas, principalmente em regiões mais pobres, ansiosas por crescimento e políticas de distribuição de renda. Por outro lado, a prática árida da gestão de governo costuma fazer com que as restrições sejam respeitadas, principalmente em situações adversas. A história brasileira está repleta de exemplos de como o desconforto do consumidor influencia negativamente a popularidade do presidente, tornando o ambiente político instável.
Tudo indica, portanto, que continuará havendo pouca margem de manobra na escolha da agenda econômica e na condução de política. Estamos na fase de “responsabilidade” de nossos recorrentes ciclos populistas, com a vantagem de termos avançado e criado mais amarras institucionais.
Ou seja, seremos responsáveis não por vontade, mas por falta de opção melhor.