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Oito eleições depois

Os padrões observados nas últimas eleições brasileiras sugerem um quadro extremamente competitivo em 2022.

Passadas oito eleições desde a redemocratização nos anos 80, alguns padrões e aprendizados podem ajudar a produzir diagnósticos para a atual corrida presidencial.

Um primeiro ponto é que a dinâmica eleitoral depende mais do desempenho do governo que da oposição. É o incumbente que ganha ou perde a eleição e, por isso, é para ele que se deve olhar. Isso porque a eleição é uma forma de julgar o presidente e seu mandato, fazendo com que a competitividade eleitoral seja reflexo da força política do governo e coloque a oposição como coadjuvante do processo.

Justamente por isso, a experiência das últimas décadas mostra que o nível de avaliação do governo tem sido uma referência para o resultado em primeiro turno de seu candidato. A ideia é que o apoio da população ao governo reflete ou não o desejo por mudança e, não por outro motivo, as reeleições ocorreram sempre com avaliações “ótimo e bom” acima de 35%.

Se a avaliação do presidente importa para entender o cenário eleitoral, os estudos sobre popularidade e voto desenvolvidos nos últimos 50 anos podem ajudar. A ideia é que o estado geral da economia influencia no modo como a população avalia o governo.

O argumento é que, como o voto individual tem pouca influência na definição do quadro político geral e a leitura da conjuntura econômica pode ser complexa, o eleitor é incentivado a minimizar o custo de buscar informações. Isso pode ser feito atribuindo a responsabilidade pelas condições econômicas ao incumbente, recompensado ou punindo os governos tanto em termos de voto quanto de popularidade e apoio no Congresso.

Estas relações entre economia e política podem ser medidas por meio dos estudos que estimam a função de popularidade e voto[1]. Para o Brasil, um modelo estatístico simples construído com séries trimestrais a partir de 2000 é suficiente para mostrar que a proporção da população que avalia o governo federal como “ótimo e bom” é explicada pelo desempenho do comércio varejista restrito[2].

Interessante notar o peso do curto prazo nas avaliações das condições econômicas. A experiência local e a literatura acadêmica mostram que as preferências e prioridades do eleitor oscilam ao longo do tempo, mas existe a chamada miopia do eleitor, ou seja, as condições econômicas correntes, mais que a memória de temas passados, são uma variável chave para avaliar as chances eleitorais do governo[3].

Enquanto a avaliação de governo é uma boa referência para o resultado em primeiro turno de seu candidato, as últimas eleições mostram que seu desempenho tende a melhorar em cerca de 30% em segundo turno. Outro padrão presente nas eleições brasileiras é a tendência à polarização. Mesmo em primeiro turno, a presença de elevado partidarismo, antipartidarismo e a presença de poucos candidatos conhecidos nacionalmente explicam a concentração de votos em dois partidos. A polarização atual, portanto, não é uma novidade.

Por último, e em linha com as pesquisas acadêmicas[4], a conhecida “lua de mel” de início de mandato é influenciada pelas condições econômicas correntes e tende a ser negativamente correlacionada com a avaliação da gestão anterior. Os grandes saltos na avaliação de governo após as eleições ocorreram com Collor, Lula e Bolsonaro, refletindo as piores aprovações de seus antecessores.

Diante destes aprendizados, é possível dizer que o desempenho de curto prazo da economia e seus impactos sobre a avaliação de governo irão influenciar o resultado eleitoral, principalmente através do comportamento dos eleitores não partidários. Neste momento, os estímulos fiscais contribuem para a recuperação da competividade do incumbente e tornam a eleição mais competitiva. Porém, a inflação e o endividamento das famílias tendem a limitar este movimento.

O papel da inflação será particularmente importante, uma vez que as pesquisas de opinião mostram que este é o tema que mais preocupa o eleitor. Não há, agora, a forte irritação social presente em 2018, ambiente marcado pela greve dos caminhoneiros e pela prisão de líderes políticos. Neste caso, embora o IPCA esteja em queda, a continuidade de altas relevantes nos preços reduz as chances de mudanças radicais no cenário.

Considerando um crescimento de 2,5% do comércio varejista em 2022, a aprovação de governo e a intenção de voto no presidente em primeiro turno devem oscilar ao redor dos níveis atuais. Como resultado, e junto com o partidarismo e antipartidarismo característicos do Brasil, parece pouco provável que a eleição seja decidida em primeiro turno ou que haja chances para a chamada “terceira via”.

Dado o desempenho da economia e seus impactos estimados sobre a avaliação do governo, este exercício também sugere que, apesar das transformações em curso na indústria de pesquisas de opinião pública e das dúvidas sobre a qualidade de seus números, o desempenho do incumbente em primeiro turno não é substancialmente diferente do sugerido pelos agregadores disponíveis.

Mais importante, no entanto, é que os padrões observados nas últimas oito eleições indicam uma corrida presidencial novamente polarizada e bem mais competitiva que o esperado pelo mercado, com o próximo governo tendo um capital político limitado em seu início.

[1] Ver Nannestad, P., Paladam, M., “The VP-function: a survey of the literature on vote and popularity functions after 25 years”, Public Choice, 1994.

[2] Alguns estudos mostram que as escolhas políticas e a identificação partidária podem influenciar a avaliação da economia e do governo, ao contrário da causalidade sugerida pelos modelos. Porém, os resultados para o Brasil indicam que a parcela dos eleitores não partidários é relevante e as condições econômicas ajudam a explicar as oscilações no apoio ao presidente. Em 2021, em particular, houve descolamento entre a avaliação de governo e condições econômicas, algo que não foi observado em 2020. Uma hipótese para explicar este desempenho pontual é que a inflação pode ter exercido um efeito localizado e negativo na percepção das condições econômicas.

[3] Os modelos para o caso brasileiro indicam, de fato, que não existe inércia na avaliação de governo.

[4] HIBBS, D. A., “On the demand for economic outcomes: macroeconomic performance and mass political support in the United States, Great Britain and Germany”, The Journal of Politics, 1982.

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