A racionalidade política se afasta da econômica e incentiva, neste momento, a pressão por juros mais baixos que estimulem a economia e ajustem as contas públicas.
Roberto Padovani
21 março 2023
O novo governo tem mostrado desde o início uma forte preocupação em coordenar as políticas monetária e fiscal. Embora a postura seja correta, não há consenso sobre a causalidade deste processo. Enquanto para o Banco Central o ajuste fiscal permite o corte dos juros, para o Executivo a causalidade é inversa, com a queda da taxa básica levando ao reequilíbrio das contas públicas.
A visão do governo tem como base o argumento de que não há risco inflacionário no País. O diagnóstico é de que a inflação é explicada por choques de oferta temporários e que os estímulos fiscais e monetários teriam pouco impacto no IPCA, dadas as menores respostas dos preços à queda do desemprego. Argumentos adicionais e conjunturais são que os juros reais seriam excessivamente elevados no Brasil, principalmente diante de uma desinflação já em curso e do risco de uma desaceleração mais pronunciada gerada por problemas no mercado de crédito no Brasil e no mundo.
Diante desta visão, seria possível reduzir as taxas de juros e permitir o equilíbrio fiscal, uma vez que a despesa do governo central com juros é elevada. Em 2022, o valor alcançou o patamar de R$ 500 bilhões, algo próximo a 5,0% do PIB. Ao mesmo tempo, o estímulo ao crescimento poderia elevar a arrecadação, contribuindo para o ajuste das contas do governo.
O problema é que há um banco central independente que dificilmente irá aceitar fazer experimentos e que baseia suas decisões em dados correntes e esperados de inflação. Neste caso, o cenário preocupa. A inflação de serviços, próxima a 8,0%, reflete as condições mais apertadas de emprego e mostra que a chamada curva de Phillips ainda faz sentido. Da mesma forma, os fortes e bem-sucedidos estímulos à demanda permitiram que o choque de custos de 2021, principalmente em alimentos e energia, se espalhasse pela economia, como indica a média dos núcleos de inflação em 8,5%.
No que se refere às expectativas de inflação, o movimento é de alta em função dos estímulos fiscais, da pressão pela mudança de metas e das duras críticas à autonomia do Banco Central (BC). A lógica é que a sinalização de metas mais elevadas e a percepção de um BC mais tolerante com a inflação ao longo do tempo coordenam a formação de expectativas mais elevadas para o IPCA.
É o que tem sido observado. Ao final de setembro de 2022, momento em que não se conhecia a agenda econômica vitoriosa nas eleições, a mediana das projeções para o IPCA de 2023 e 2024 indicava números respectivos de 5,0% e 3,5%. Os dados recentes mostram valores de 5,9% e 4,1%. 2 PÚBLICO
A questão é que sem a ajuda do BC, a atual estratégia econômica deixa de funcionar, uma vez que o quadro fiscal se complica, desancora ainda mais as expectativas, pressiona os juros e aumenta o desemprego.
Ao contrário de diagnósticos de membros do Executivo, vários estudos mostram que episódios de default podem ocorrer mesmo quando o financiamento da dívida pública é feito em moeda local. Trajetórias explosivas de dívida levam à piora do risco soberano, encurtamento de prazos e queda nos preços dos títulos púbicos, afetando fluxos de capitais, câmbio e inflação.
O aprendizado brasileiro é que a causalidade entre as políticas fiscal e monetária é a inversa da proposta pelo governo, com a política fiscal balizando juros e câmbio. O regime fiscal adotado ao final dos anos 90 foi importante para definir uma tendência de queda da taxa reais e nominais de juros. A experiência do período de 2016 a 2020 também mostrou que a redução do risco fiscal leva à queda das expectativas de inflação e permite menores taxas de juros.
Neste caso, a estratégia racional neste momento seria a definição de uma regra fiscal capaz de estabilizar o endividamento público e, com isso, abrir espaço para a convergência da inflação e dos juros.
Todo este debate segue uma lógica política bem definida. Com o ambiente marcado pela desconfiança ideológica em um mundo polarizado, o crescimento é fundamental e tem justificado discursos mais agressivos e populistas. Não deixa de ser curioso, no entanto, como a pressão por corte de juros acaba gerando juros mais elevados. Do ponto de vista de resultados práticos, seria mais fácil apostar na racionalidade econômica.