Política de Privacidade

Crédito deve sustentar popularidade do governo

Presidente Lula em março de 2024

 Apesar da piora na avaliação de governo, ainda é cedo para apontar uma tendência de queda da popularidade. 

 Roberto Padovani 
02 abril 2024 

Grande destaque foi dado às pesquisas de popularidade neste início de ano. Não apenas a avaliação do governo está em queda, mas ela ocorre a despeito de um bom desempenho da economia. 

Neste caso, uma possibilidade é que temas não econômicos estariam definindo a dinâmica política, o que pode implicar mudanças no cenário econômico. Com resultados desfavoráveis nas pesquisas, eleições municipais competitivas e surpresas eleitorais em outros países, o governo poderia ser incentivado a conceder mais estímulos fiscais e monetários. É o que prevê a teoria do ciclo político dos negócios. 

Ainda que a competição eleitoral possa efetivamente alterar os cenários, parece cedo dizer que a economia deixou de influenciar a política. Há uma longa tradição acadêmica que associa mudanças na avaliação do governo a oscilações econômicas. 

Anthony Downs mostrou nos anos 1950 que os eleitores têm poucos incentivos para se informar sobre política, uma vez que economia e política são temas complexos e o voto individual é insignificante, no sentido de não influenciar o resultado. 

Com alto custo de se buscar informações e baixo retorno individual do processo eleitoral, os eleitores usariam critérios mais simples para fazerem suas escolhas eleitorais. Gerald Kramer, nos anos 1970, sugeriu que uma forma seria atribuir a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso econômico ao presidente. 

Estudos mais recentes, como os de Gabriel Lenz, reforçam a tese de que é mais fácil julgar um governo com base em seus resultados econômicos que em informações menos transparentes e mais complicadas sobre políticas públicas. 

Dados estes argumentos teóricos, é comum utilizar as chamadas funções de popularidade e voto para mensurar quantitativamente as relações entre economia e política. A literatura acadêmica, no entanto, não é conclusiva sobre quais variáveis utilizar como termômetro das condições econômicas para explicar o apoio popular aos governos. Tradicionalmente, a preferência é por indicadores de emprego, inflação, confiança, PIB, câmbio e renda. 

Um modelo simples para o caso brasileiro pode ser feito com base na ideia de que o eleitor é sensível ao estado geral da economia, algo percebido por meio das condições correntes de consumo. O comércio varejista restrito do IBGE, por exemplo, tem a vantagem de capturar indiretamente outras variáveis, como renda, crédito e confiança. 2 

De fato, os dados trimestrais para o período entre 2000 e 2024 mostram que as variações do comércio são um bom previsor da proporção da população que avalia o desempenho do governo federal como “ótimo e bom”, medido pelo Datafolha. 

Aplicando-se este modelo ao primeiro trimestre deste ano, há, de fato, um descolamento entre economia e avaliação de governo. As condições de consumo indicam que a popularidade deveria estar oscilando ao redor de 40%, e não dos observados 35%. 

O resultado permite a leitura de que questões não econômicas teriam maior peso neste momento. É o caso, normalmente, de eventos políticos importantes, como inícios de mandatos, protestos, greves e escândalos. Nenhum destes fatores, porém, estão presentes nos últimos meses. 

Da mesma forma, polarização política, pauta de costumes, uso de mídias sociais e ruídos de gestão, como na política externa e na segurança pública, não são fatos novos e dificilmente poderiam explicar um movimento pontual neste início de ano. 

Não há evidências para o caso brasileiro da tese de que a polarização política faça a diferença, com os eleitores julgando a economia não a partir de suas experiências cotidianas, mas sim em função de suas preferencias ideológicas e/ou avaliações de políticas e estratégias de governo. 

Com isso, é possível que a resposta para a queda da avaliação do governo ainda esteja na economia. Um candidato é o fato de a economia mostrar, depois da pandemia, comportamentos regionais e setoriais heterogêneos, o que pode atrapalhar o uso de variáveis agregadas de consumo, emprego e inflação. 

É o que vê nas aberturas do PIB de 2023. Apesar de um crescimento forte de 2,9%, a expansão foi concentrada no primeiro semestre e é explicada por setores ligados à exportação de commodities, principalmente a agropecuária. 

Este tipo de crescimento talvez não seja percebido pela população. Pelo contrário. O PIB do comércio mostrou contração no segundo semestre e o consumo das famílias teve queda nos últimos três meses de 2023. Mesmo com renda favorável, explicada por emprego elevado e expansão fiscal, o aperto monetário trouxe impactos negativos no consumo de bens mais sensíveis ao crédito. 

Outra hipótese é que apesar do recuo da inflação em todo o mundo, os níveis de preços seguem elevados e influenciam a percepção sobre o custo de vida. 

Em função destes argumentos, é preciso cautela para não extrapolar o desemprenho recente das pesquisas. Na série trimestral, trata-se apenas de uma observação. Houve outras situações de desvio no passado que não representaram uma mudança de tendência na avaliação de governo. Quando se usam dados anuais, por exemplo, a popularidade voltou a acompanhar o desempenho do comércio depois do descolamento em 2021. 

O mais provável é que a popularidade ainda seja influenciada pela economia e que a queda na avaliação de governo observada neste início de ano se deva a ruídos e oscilações normais de curto prazo. 3 

Neste caso, as perspectivas para o consumo importam mais que o dado pontual de popularidade do primeiro trimestre deste ano, e a leitura é positiva para o governo. 

Além de confiança e renda sustentarem níveis favoráveis, a grande diferença em termos de dinâmica econômica esperada para 2024 é a redução dos juros e a recuperação do crédito. Há uma grande chance de o comércio mostrar aceleração e compensar parte dos efeitos negativos gerados pela menor produção agrícola. 

O começo do ano, portanto, pode não ser um divisor de águas na avaliação de governo. Ironicamente, deverá vir do Banco Central a grande ajuda para sustentar a popularidade do Presidente. 

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