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Bala de prata

Com a economia já ajustada pela recessão, a reforma da previdência é o que falta para ancorar as expectativas e permitir a continuidade da recuperação cíclica da atividade.

Durante a aguda crise inflacionária dos anos 80, era comum associar a gestão da economia a choques que resolvessem rapidamente nossos problemas. Era a ideia da “bala de prata”, popular nas eleições de 1989. Ainda que em um contexto muito diferente, esta metáfora pode ser aplicada ao momento atual.

As estratégias de choque perderam sentido nos anos 2000. O País controlou a inflação e as contas públicas, além de o ciclo de commodities ter permitido a redução da dívida externa e o aumento das reservas internacionais. Com maior estabilidade, as discussões migraram para a capacidade de o País crescer no longo prazo, resgatando uma vasta, árida e complexa agenda microeconômica, capaz de destravar a infraestrutura, reduzir o custo de capital e melhorar o ambiente de negócios.

Mas, infelizmente, regredimos no debate. Os retrocessos institucionais e as pioras graduais e contínuas na gestão da economia a partir de 2006 levaram à recessão, crise financeira e colapso fiscal. Neste ambiente de aguda instabilidade macroeconômica, voltou a fazer sentido falar em “bala de prata”, na economia e na política. Isso porque a reforma da previdência passou a ser central para manter o crescimento, ao mesmo tempo em que a janela política para sua aprovação parece pequena.

A previdência é importante por vários motivos. A forte e rápida queda da arrecadação em 2015 explicitou o tamanho e a rigidez do gasto público, fazendo com que a dívida pública passasse a crescer sem controle desde então. Como há pouco espaço político e econômico para aumentos relevantes na carga tributária e na arrecadação, pela primeira vez em muito tempo o tema fiscal passou a depender de um ajuste nas despesas, o que equivale a uma ampla reforma do Estado.

No curto prazo, no entanto, a despesa previdenciária tornou-se, de longe, o principal desafio, uma vez que responde por cerca de metade dos gastos do governo central e possui uma dinâmica alarmante. Como a reforma é fundamental para reequilibrar as contas do governo e, com isso, estabilizar a dívida pública e ancorar as expectativas, ela permite que o tema fiscal saia da agenda dos investidores mesmo com a continuidade de déficits nas contas públicas.

Caso seja aprovada uma reforma capaz de efetivamente controlar o risco fiscal, o quadro parece bom. As contas externas mostram um ótimo desempenho e fazem com que a estabilidade das dívidas interna e externa permitam ao País reconquistar o grau de investimento em alguns anos. Como sempre acontece, os mercados antecipam este movimento e atraem fluxos de capitais, ancorando a taxa de câmbio.

Em conjunto com o desemprego elevado e o menor congestionamento na infraestrutura, os custos das empresas devem continuar baixos, reforçando um quadro de pouca pressão inflacionária. Mesmo que o Banco Central inicie em 2019 um ciclo gradual de normalização da taxa básica de juros, diminuindo a intensidade dos estímulos à medida em que a economia volte para seu potencial, a redução das incertezas e o aumento da confiança permitem maior demanda e oferta de crédito, queda das taxas nos mercados futuros e, portanto, alívio nas condições financeiras. Com famílias pouco endividadas e empresas superando a crise financeira com a redução de dívidas, comércio, produção e investimentos são beneficiados.

A reforma da previdência, portanto, pode ser a condição necessária e suficiente para manter a recuperação cíclica em curso, o que reforça o próprio ajuste fiscal. Apenas quando a economia voltar à sua plena capacidade, o que pode acontecer em dois anos, os diversos gargalos e restrições ao crescimento irão fazer com que a agenda microeconômica volte a ganhar espaço.

Do ponto de vista político, parece haver também uma “bala de prata”. A típica “lua de mel” de início de mandatos faz com que a janela de oportunidade no Congresso possa ser curta, o que é fundamental pelo fato de o controle dos gastos previdenciários depender hoje mais de mudanças constitucionais do que uma gestão fiscal responsável.

Por sorte, os incentivos sugerem que a popularidade de começo de governo seja bem utilizada. A fragilidade da economia ainda coloca pressão para que governo e Congresso atendam à demanda por mudanças exigidas pela sociedade. Não por outro motivo, uma agenda liberal e responsável foi claramente indicada durante a campanha eleitoral. Seria um erro subestimar a capacidade de leitura política e econômica do novo governo.

A economia, portanto, está ajustada e preparada para crescer. Basta manter a agenda econômica em curso e confirmar a vontade política e a capacidade financeira para se estabilizar a dívida pública. Depois de uma década de confusões, os ciclos na economia e na política voltam a ser favoráveis.

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