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Arcabouço não ajuda a ancoragem fiscal

O anúncio das novas regras fiscais não permite a antecipação de trajetórias mais favoráveis para o resultado primário e para a dívida pública.
Haddad, Política, Regra Fiscal, Arcabouço Fiscal, Ministério da Fazenda, Ministros, Governo
Roberto Padovani
18 abril 2023
As novas regras fiscais foram aguardadas com grande ansiedade. O desafio a ser alcançado não é simples. De um lado, despesas do governo represadas, maiores demandas sociais e a necessidade de uma nova regra. De outro, investidores preocupados com a trajetória de endividamento do governo.
Sem uma solução fácil, o consenso é que o máximo que se conseguiu até o momento foi evitar o pior. O objetivo mais importante, a confiança em um cenário de estabilidade de dívida que permita menos juros e mais crescimento, ainda está cercado de dúvidas¹.
De fato, o arcabouço evitou uma situação mais grave ao mostrar disposição em equilibrar as contas públicas e limitar o aumento das despesas, algo ausente nos primeiros discursos do governo. A regra abre espaço para que a despesa como proporção do PIB convirja para a média história.
Por outro lado, não há elementos que permitam antecipar um cenário de estabilidade da dívida. Depois de anos de ajuste fiscal, há despesas represadas e um desgaste natural do processo de controle das contas públicas. Da mesma forma, o aumento da miséria gerado pela pandemia elevou a demanda social por mais gastos, em especial os programas sociais, e a agenda econômica vitoriosa nas eleições não incentiva a discussão sobre a estrutura de despesas do Estado. Este quadro aponta tanto para um aumento dos gastos obrigatórios, como os salários de funcionários públicos, quanto dos discricionários, principalmente os investimentos do governo.
Do lado da receita, o próprio governo reconhece o pouco espaço para aumento de carga tributária e o crescimento global também não deverá ajudar na arrecadação. Parece pouco provável um novo ciclo de commodities como o do período de 2004 a 20102 , quando o crescimento médio brasileiro de 4,5% permitiu arrecadação elevada e conforto para que o aumento de gastos não se transformasse em mais endividamento.
Por último, os sinais da agenda econômica reduzem as chances de cenários com PIB potencial mais elevado e menores juros reais de equilíbrio. A mediana das projeções coletadas pelo Banco Central indica valores respectivos próximos a 1,8% e 4,5%.
O problema é que além da dificuldade em se construir cenários de estabilidade de dívida, tampouco é clara a capacidade de o governo alcançar as metas definidas para o resultado primário até 2026. Isso porque o crescimento real da receita gerado pelo ciclo econômico e pela arrecadação compensa apenas parcialmente a trajetória já definida de aumento real das despesas, tornando a convergência em direção às metas um processo lento.
Para acelerar este ajuste, a estratégia do governo depende quase que exclusivamente da retirada de distorções na cobrança de impostos e da redução do gasto tributário, medidas de difícil estimativa e antecipação. Como mostra a experiência latino-americana, há sempre a expectativa por uma bala de prata do lado da receita, como um choque tributário, para resolver magicamente o problema fiscal³.
Não menos importante, é preciso lembrar que além das dúvidas próprias sobre a dinâmica das contas públicas, o déficit de credibilidade na gestão econômica, o ciclo político nas despesas em 2026 e o fato de não haver penalidade para o não cumprimento das metas elevam as incertezas. A nova regra garante uma trajetória de gasto e faz promessas de receita sem risco de responsabilização. Com baixa confiança no ajuste das contas públicas, será difícil antecipar cenários fiscais mais favoráveis.
Não por outro motivo, a mediana das projeções coletadas pelo Banco Central para o resultado primário e para a dívida pública melhoraram muito pouco desde o anúncio das novas regras. Os dados mostram que a maior parte dos analistas não acredita que o governo irá cumprir as metas, uma vez que o primário se equilibra apenas em 2027.
Esta é uma diferença importante em relação à experiência do segundo semestre de 2016, quando a tramitação do teto de gastos foi capaz de mudar a trajetória esperada para o resultado primário no ano seguinte. Do ponto de vista da ancoragem fiscal, portanto, o arcabouço ajudou pouco.
¹ Ver Kawall, C., “A nova regra fiscal merecerá esse nome?”,  Agência Estado, 05/abril/2023.
² Enquanto os dados de PIB global do FMI mostram um crescimento anual médio de 4,2% entre 2004 e 2010, a expectativa é que este número seja de 3,0% entre 2023 e 2028.
³ Ver TANZI, V., “Argentina, from Peron to Macri: an economic chronicle”, Jorge Pinto Books Inc., 2018.

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