A reação dos mercados

Histórico desfavorável, ciclo eleitoral e desequilíbrios econômicos crescentes elevam as dúvidas sobre as repostas de política e tornam os mercados disfuncionais.

 

Roberto Padovani
16 de dezembro 2024

 

O governo finalmente anunciou as medidas de controle da despesa pública. Em grande parte,
os ajustes vieram em linha com o esperado, aproximando a evolução dos gastos do Estado ao
ritmo proposto pelo arcabouço fiscal.

O esforço para se manter a regra fiscal não deixa de ser um sinal positivo. Mesmo que persistam
as dúvidas em relação aos resultados fiscais e o gradualismo proposto pela regra seja
incompatível com a estabilização da dívida, a sustentação do arcabouço abre espaço para algum
equilíbrio nas contas públicas.

Os mercados financeiros, no entanto, receberam mal o anúncio. Embora esta postura tenha sido
considerada por muitos como exagerada ou politicamente interessada, ela faz sentido à luz da
pesquisa acadêmica dos últimos 40 anos sobre credibilidade, ciclo político dos negócios e
políticas públicas.

Ao analisar as reformas econômicas na Ásia, Leste Europeu e América Latina, a literatura do final
dos anos 1980 mostrou como a falta de credibilidade, gerada por históricos desfavoráveis,
ausência de consenso dentro do próprio governo e desenhos de política pouco coerentes,
atrapalha as agendas de estabilização.

Isso porque sem credibilidade, o problema da informação assimétrica ganha relevância. Nem
sempre é fácil avaliar as reais intenções dos governos, uma vez que medidas podem ser
adotadas com baixa convicção apenas para responder a crises de confiança e instabilidades
financeiras de curto prazo.

Dois outros temas de economia política dificultam a construção de confiança no futuro. William
Nordhaus mostrou nos anos 1970 que, por motivação partidária ou oportunismo político, as
gestões fiscais, monetárias e cambiais podem atender a objetivos específicos, como estimular a
economia nos períodos eleitorais. É o chamado ciclo político dos negócios.

Outro desafio é a chamada “guerra de desgaste”. O modelo do economista italiano Alberto
Alesina mostra que a incapacidade de solucionar impasses políticos leva à postergação das
agendas de estabilização, o que agrava os desequilíbrios até que uma crise permita a
consolidação política e as correções necessárias.

O problema é que ao adiar o ajuste, seu custo pode inviabilizar politicamente as agendas e
confirmar os temores iniciais sobre o pouco compromisso dos governos com a estabilidade
econômica. A necessidade de convencer os agentes de que o passado não irá se repetir demanda a adoção de políticas mais duras, amplas e implementadas mais rapidamente. Com custos
elevados, a falta de credibilidade é uma profecia autorrealizável.

Aplicados ao Brasil, estes modelos sugerem que o histórico recente, o ciclo eleitoral em 2026 e
os custos crescentes de corrigir rumos reduzem a confiança no gradualismo fiscal.
Além da memória da crise fiscal de 2015, o forte aumento da despesa pública em 2023 causou
preocupação desde o primeiro dia de governo. Os gastos foram generalizados e sem
contrapartidas de controle de outras despesas.

A despesa do governo central em 2023 cresceu R$ 320 bilhões em relação a 2022, um valor
próximo a 3,0% do PIB. É uma expansão fiscal relevante mesmo quando se desconta a conta
deixada pelo governo anterior com precatórios, restos a pagar e reajuste de servidores,
estimada em cerca de R$ 75 bilhões.

Com isso, o resultado primário saiu de um superávit de 0,6 do PIB em 2022 para um déficit de
2,4%. A dívida pública voltou a subir, partindo de um patamar já elevado. Ao mesmo tempo, o
foco no aumento da receita e o discurso a favor do gasto e que minimiza o risco fiscal colocam
em segundo plano reformas que permitam controlar a despesa obrigatória.

Para complicar, a curta experiência democrática brasileira mostra que os ciclos eleitorais são um
risco. Mesmo com todos avanços institucionais, as eleições de 1998, 2010, 2014 e 2022
agravaram desequilíbrios econômicos.

Neste caso, a corrida presidencial de 2026 pode ser um incentivo tanto para a flexibilização do
arcabouço, como já observado com o teto de gastos, quanto para intervenções no câmbio e para
aumento dos gastos parafiscais, com o uso de fundos setoriais, da conta de restos a pagar e de
créditos subsidiados.

Falta de convicção e ciclo político, por sua vez, incentivam a postergação dos ajustes, como ficou
subentendido com o recente anúncio de medidas. Refletindo as disputas internas e a
sensibilidade em relação à competição eleitoral, a comunicação demorou a ser feita e acabou
sendo confusa e incompleta.

O resultado é que, com ajustes insuficientes, fica difícil antecipar um cenário de estabilidade de
dívida. A falta de confiança no futuro, porém, não é neutra para a economia.

Em um ambiente global de aversão a risco, as incertezas fiscais locais pressionam fluxos de
capitais, câmbio, inflação e juros. Com condições financeiras piores, o custo de rolagem da dívida
supera a capacidade cíclica de arrecadação de impostos, levando a um endividamento
crescente.

Com juros reais em alta e crescimento em baixa, a estabilização da dívida irá depender de um
superávit fiscal improvável, o que confirma a experiência de que a dinâmica de dívida depende
de sua própria trajetória.

Ao mesmo tempo, a antecipação de equilíbrios macroeconômicos de pior qualidade eleva as
dúvidas sobre as respostas do governo, se mais responsáveis ou mais populistas. Com menor
previsibilidade, os prêmios de risco se elevam e os ativos financeiros perdem referência. O resultado é um mercado disfuncional e uma espiral negativa entre desconfiança, piora das
condições financeiras e endividamento público.

A instabilidade financeira, portanto, não deveria ser uma surpresa. É compatível com ajustes
graduais em ambientes de baixa reputação, o que significa que as contas públicas devem seguir
como o principal desafio econômico do País ao longo dos próximos anos.

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