O pragmatismo parece ser a melhor palavra para definir o início deste governo e, por este aspecto, não é muito diferente de outros começos. Quando a eleição acaba, é preciso descer do palanque e começar o duro e complexo desafio de administrar o País.
É natural que as eleições sejam um campo para ideologias e promessas vagas. Dificilmente são apresentados e discutidos programas de governo. Nas crises, estas características são reforçadas, com os discursos populistas de direita e esquerda vendendo mudanças radicais, simples e rápidas.
Foi o que vimos em 2018. O discurso vencedor teve como base palavras de ordem em torno da corrupção, costumes e segurança pública. Foram sinalizados uma guinada ideológica e o rápido enfrentamento do descontrole fiscal, causa principal de nossas crises cambiais, inflacionárias e de baixo crescimento. Além do combate à corrupção, defendeu-se um inédito e bem-vindo fim do fisiologismo na política, acompanhado pela revisão das políticas sociais e mudanças na agenda de comportamento e costumes. Em certo sentido, estes elementos respondem ao mandato de reformar o Estado, pautado pelas ruas desde 2013.
O discurso eleitoral não é um problema em si, uma vez que procura apenas capturar temas e sentimentos gerais. O populismo, da mesma forma, tem o mérito de mobilizar a sociedade para mudanças e gerar uma disposição incomum em mexer em interesses consolidados e políticas supostamente intocáveis. Além disso, não deixa de ser positiva a alternância democrática e a prática de repensar estratégias e direções.
Mas, como sempre acontece, acabada a eleição, os problemas precisam ser enfrentados, a despeito das ideologias. É quando a simplificação do debate eleitoral encontra a complexidade da realidade, com políticas que precisam ser desenhadas e negociadas com todos os interesses da sociedade.
Na economia, embora o diagnóstico do descontrole fiscal como causa principal dos problemas do País esteja correto, o discurso eleitoral soa falso por supor um mundo em que não há política. Na prática de governo, as restrições aparecem e a reforma do Estado deverá enfrentar inúmeras dificuldades técnicas e políticas de implementação.
Executar um programa agressivo de privatização, melhorar o sistema judiciário e aprovar as reformas tributária e da previdência não são agendas óbvias ou rápidas. Os impactos sobre produtividade e crescimento dificilmente irão aparecer no curto prazo e, da mesma forma, a crise fiscal limita uma rápida guinada na qualidade dos serviços públicos. Não menos importante, é possível que a luta contra o crime organizado gere reações e aumente, temporariamente, a sensação de insegurança.
Na política, dificilmente teremos uma revolução, com a relação com o Congresso passando a ser feita por meio de pautas negociadas com bancadas temáticas e ajudadas pela opinião pública e pelo alinhamento ideológico com os parlamentares.
É o que tem sido visto neste início de governo. A ideologia ficou restrita a algumas poucas áreas e as fantasias de retrocessos institucionais vão rapidamente perdendo sentido. A administração da economia tem mais um perfil de continuidade que de ruptura e a prática de liberação de emendas, indicação para cargos públicos e proximidade com lideranças e partidos tradicionais deverá continuar sendo a base da negociação parlamentar.
Em pouco tempo, a ambição parece mais ajustada e concentrada em poucas reformas que já estavam nas pautas do governo e do Congresso, como previdência, autonomia do Banco Central, reformas microeconômicas e privatizações. O contexto do País e a capacidade da equipe ajudam a definir prioridades.
Ou seja, gradualmente, voltamos ao padrão de avanços incrementais. À exceção dos retrocessos do período populista de 2006 a 2014, a história recente do País ensina que resolvemos um problema por vez. Foi o caso da abertura comercial, do controle da inflação, da definição dos instrumentos de gestão econômica e da consolidação dos programas sociais. Diversas reformas foram feitas nos últimos anos, com seu ritmo dado pelos limites da política e do pensamento de época.
Este movimento em direção ao pragmatismo não é algo necessariamente ruim, ainda que possa soar como um fracasso para uma sociedade cansada e que exige mudanças. Por um lado, o aprendizado inicial de governo gera ruídos e frustrações, desgastando o capital político do Presidente. Mas ao preservar as práticas do presidencialismo de coalizão e a pauta e equipe dos últimos governos, aumentam as chances de as reformas caminharem no Congresso.
O que importa ao final é que, mesmo com uma agenda mais modesta que a sugerida nas eleições, o País caminha na direção correta. Dada nossa experiência dos últimos anos, isso não é pouca coisa.
Foto: “palacio.do.planalto” by Ricardo Scholz is licensed under CC BY-NC-SA 2.0