Política de Privacidade

Piso de gastos

 O desafio histórico de o país controlar a despesa púbica está apenas no começo. Depois das dificuldades do teto de gastos, o arcabouço fiscal deverá passar por testes semelhantes. 

 Roberto Padovani 
30 de abril 2024 

 Os dados fiscais do primeiro trimestre do ano mostram que as contas públicas devem continuar sendo o principal desafio do país pelos próximos meses. A tendência é de alta das despesas, o que pode ser reforçado por eventuais mudanças nas regras fiscais. 

Os números de início de ano preocupam. Nos doze meses encerrados em março, a despesa real, descontada do pagamento de precatórios, cresceu cerca de 9,5%. Este número é superior ao crescimento real de 2,5% previsto pelo orçamento para 2024, 2025 e 2026. 

Os últimos meses mostram também uma mudança de padrão no gasto público. Enquanto o aumento real médio da despesa entre 2015 e 2022 foi próximo a 1,8% ao ano, o valor atual é mais parecido ao registrado na década de 2004 a 2014, quando alcançou 7,5%. 

Em linha com declarações do governo, o desempenho fiscal revela uma preferência política por mais gasto público. Esta opção deverá ser reforçada pelo quadro eleitoral. A experiência internacional mostra que eleições competitivas incentivam a expansão fiscal e monetária para favorecer o crescimento econômico e, com isso, as chances eleitorais do governo. É o conhecido ciclo político dos negócios. 

Da mesma forma, as necessidades mínimas de manutenção da máquina pública limitam o ajuste nas despesas discricionárias e as receitas extraordinárias, que elevem a carga tributária, precisam do apoio do Congresso e devem encontrar resistência política. Agrava a situação o fato de o Banco Central ser independente, o que torna a política fiscal o principal instrumento à disposição do governo para estimular a economia. 

Esta pressão política por gastos não deve contar com freios institucionais. O atual regime fiscal não é forte o suficiente para inibir a tendência de crescimento das despesas. 

A primeira fragilidade está na receita. Segundo as regras do arcabouço, hipóteses otimistas para crescimento da receita permitem que os gastos cresçam em termos reais em seu ritmo máximo. 

Parece ser o caso. Supondo que a receita acompanhe o ciclo econômico e fique estável como proporção do PIB, seria necessário um crescimento anual próximo a 3,5%, valor superior à mediana das projeções de PIB coletadas pelo Banco Central, hoje em 2,0%. Sem um ambiente global exuberante, dificilmente haverá um novo ciclo de commodities que favoreça a arrecadação.

O segundo desafio é que o custo de mudar as metas de resultado primário é baixo, o que reduz as chances de o teto orçamentário não ser respeitado e de as penalizações corrigirem o ritmo de aumento de despesas. 

Por último, é possível que o próprio regime fiscal seja alterado. Isso porque a estrutura de gastos do governo não é compatível com a regra matemática do arcabouço. Os mínimos constitucionais para saúde e educação, além da política de ganhos reais do salário mínimo que pressionam a previdência, implicam taxas mais elevadas de crescimento da despesa. 

Esta incompatibilidade poderá elevar a pressão sobre o regime. Para manter o regime fiscal e respeitar as regras, seria necessário que a estrutura do Estado fosse alterada e permitisse reduzir as despesas obrigatórias. Mas sem uma crise econômica que pressione o governo e o Congresso, dificilmente reformas complexas e polêmicas irão avançar. 

Dadas as fragilidades das regras atuais, é mais fácil construir acordos para mudar o regime fiscal que desenhar novas reformas. O resultado é que o arcabouço fiscal deverá enfrentar as mesmas dificuldades do teto de gastos, mesmo sendo uma regra mais flexível. 

De fato, estratégias baseadas em regras que restrinjam as escolhas de políticas, limitem a discricionariedade e tragam maior disciplina à gestão econômica, principalmente nos ciclos eleitorais, têm se mostrado um desafio. 

A experiência de do teto de gastos em 2016 foi tecnicamente correta, mas subestimou as pressões políticas vindas do Legislativo, Judiciário e do próprio Executivo. A ideia de uma regra que incentivasse escolhas de políticas públicas e a definição de prioridades se mostrou inocente. Ao contrário, a experiência foi marcada pelas tentativas frequentes de se driblar a regra. 

Os incentivos, portanto, são para mudanças no regime fiscal que sancionem a pressão por gastos e reforcem a tendência de alta da dívida pública. Mais que o retrato de início de ano, o filme preocupa. As despesas parecem ter apenas piso, e não teto. 

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