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PIB: mais ritmo que direção

Apesar de bons motivos para se acreditar que a trajetória de recuperação cíclica da economia tenha continuidade, o ritmo permanece incerto

Apesar de haver boas razões para se acreditar na solidez da recuperação cíclica da economia, a retomada deverá continuar sendo lenta. Neste momento, a ausência de um novo choque favorável na inflação e a desaceleração global retardam, mas não impedem, o reaquecimento da economia brasileira.

Há poucas dúvidas que os próximos anos serão favoráveis. A superação das incertezas políticas e a manutenção da agenda de reformas e da responsabilidade de gestão deve sustentar a volta da confiança. Da mesma forma, a recessão de 2014 ajustou custos de produção e permitiu reduzir a taxa de juros, estimulando investimentos e crédito.

Mas o ritmo da expansão é incerto. Os últimos meses indicam estagnação tanto no comércio quanto na indústria, fazendo com que os baixos níveis de produção e vendas influenciem negativamente o cálculo do PIB deste ano, o chamado carregamento estatístico (carry over). Para que o crescimento médio em 2019 seja significativamente maior que o do ano passado, serão necessárias taxas trimestrais muito elevadas, o que parece pouco provável diante do atual ambiente interno e externo.

Domesticamente, o consumo deve continuar avançando lentamente. Dificilmente repetiremos o choque favorável na inflação observado em 2016 e 2017, quando o IPCA caiu cerca de oito pontos percentuais. Pelo contrário, com a leve tendência de alta nos preços observada desde o ano passado, o aumento da renda real passou a depender menos da inflação e mais da queda do desemprego.

O mercado de trabalho, por sua vez, deve apresentar melhorias apenas graduais, uma vez que os ganhos de produtividade apontam para um ritmo moderado de geração de empregos (jobless recovery). Como resultado, a persistência da informalidade e a expansão mais modesta da renda reforçam a cautela dos consumidores.

Do ponto de vista do crédito para as famílias, é possível que parte do alívio nas condições financeiras registrado a partir de 2016 já tenha produzido seus efeitos plenos, com a redução da inadimplência, dos spreads bancários e do risco econômico. O canal do crédito para empresas segue parcialmente obstruído, atrapalhado pelo baixo faturamento e dívidas elevadas.

Esta perda de fôlego no consumo doméstico não deverá ser compensada neste ano pela demanda externa ou por novos estímulos de política econômica. Como a economia brasileira tem sido muito influenciada por China e Argentina, a desaceleração da indústria chinesa nos últimos meses e a recessão enfrentada pelos argentinos prejudicam a indústria e o crescimento no Brasil[1]. A balança comercial reflete este ambiente, com o superávit comercial devendo cair dos atuais US$ 60 bilhões para algo mais próximo a US$ 50 bilhões em 2019. Da mesma forma, a aguda crise do Estado restringe novos impulsos fiscais e as dúvidas sobre o quadro internacional e o avanço das reformas aumentam as incertezas sobre as trajetórias de câmbio e inflação, reduzindo a probabilidade de novas quedas de juros.

Com o consumo avançando mais lentamente, o impulso para os investimentos é menor. A ociosidade explica o fato de os investimentos não estarem acompanhando o aumento da confiança, como é o padrão, fazendo com haja apenas o resgate de projetos adiados e apenas um modesto início da modernização de nosso parque industrial.

Este cenário sugere que os desafios continuam concentrados no lado da demanda e que os problemas de oferta não representam uma trava à reação da economia no curto prazo. A capacidade de o País crescer a taxas mais elevadas e com menor instabilidade é um tema de médio prazo e que deve ser encaminhada pela agenda da reforma do Estado e da abertura comercial, atenuando os efeitos negativos sobre investimento e produtividade gerados pela recessão[2] e pelos históricos gargalos na qualificação da mão de obra, infraestrutura e ambiente de negócios.

Neste caso, o fim dos ganhos mais acentuados de renda gerados pela rápida queda da inflação e a desaceleração global enfraquecem a demanda de modo temporário, mas não colocam em risco a retomada. É mais uma questão de ritmo que de direção.

[1] Schwartsman, Alexandre. “O que deteve a indústria”, Folha de São Paulo, 06 de fevereiro de 2019.

[2] A recessão poder gerar efeitos duradouros sobre a capacidade de crescimento da economia ao destruir capital físico e humano. Os estudos indicam que pode haver uma erosão na qualificação e treinamento da mão de obra que sai do mercado. Este efeito, chamado de histerese, mostra que o equilíbrio da economia dependente de sua própria trajetória.

 

Foto: Jörg Kaftan/Flickr

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