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Os mundos separados de consumo e investimento

Os indicadores mostram um descasamento entre dados de consumo e investimento, o que pode tanto refletir o ciclo de crédito quanto estratégias de política econômica. 
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 Os indicadores mostram um descasamento entre dados de consumo e investimento, o que pode tanto refletir o ciclo de crédito quanto estratégias de política econômica. 

 Roberto Padovani
19 de setembro 2023

 Apesar das surpresas positivas no crescimento, os indicadores de atividade no Brasil têm mostrado dois comportamentos bastante distintos. De um lado o bom desempenho do consumo e, de outro, um resultado fraco na indústria e nos investimentos. Esta diferença pode tanto ser explicada por fatores conjunturais, como o ciclo de crédito, quanto pelas incertezas mais duradouras em relação à agenda econômica. 

De fato, os dados de comércio e serviços mostram alta, acompanhando a melhoria da confiança do consumidor gerada por baixos níveis de desemprego e alta na renda do trabalho, potencializada pela ampliação dos programas sociais. Chama atenção, no entanto, o pior desempenho da produção industrial, em particular a produção de bens de capital, e o fato de a confiança empresarial e da indústria não acompanharem o desempenho observado no caso do consumidor. Na abertura do PIB, da mesma forma, a formação bruta de capital fixo não segue o consumo das famílias. 

A primeira explicação para esta diferença entre consumo e investimento está no crédito. Mesmo com níveis ainda elevados de comprometimento de renda das famílias, a queda da inflação e dos juros reforçam a alta da renda e trazem alívio financeiro gradual, confirmando tanto a estabilidade já observada nos dados da inadimplência para pessoa física, quanto apontando para uma trajetória de queda a partir do final deste ano. Faz sentido, portanto, dizer que o pior já passou no crédito para as famílias. 

No caso das empresas, ao contrário, o sentimento é negativo. Não apenas as dificuldades no fornecimento de insumos durante a pandemia foram fatores que sempre penalizaram mais a produção, mas vários setores da indústria são mais sensíveis à alta dos juros, como construção civil, bens duráveis e bens de capital. 

A combinação de aperto monetário e desaceleração econômica fazem com que os resultados corporativos mostrem piora e, junto com casos importantes de recuperação judicial a partir deste ano, elevam o risco e o custo financeiro das empresas, impactando a inadimplência e justificando uma menor oferta de crédito. 

O risco, no entanto, é que o comportamento dos investimentos possa também estar sendo influenciado por incertezas em relação à agenda econômica. A expansão fiscal corrente, os sinais de volta dos empréstimos subsidiados e a pressão do governo por corte de juros, associada às incertezas em relação à transição no comando do Banco Central em 2025, podem estar fazendo com que as empresas posterguem investimentos. 

Mais importante, o passado recente mostra que há incentivos políticos para estimular o consumo e, com isso, aumentar a popularidade do governo. No período de 2005 a 2010, o crescimento do consumo foi superior ao dos investimentos, reflexo de um ambiente externo favorável e de estímulos domésticos que desconsideravam as restrições fiscais, monetárias e de oferta. 

Na época, o argumento era que o crescimento inclusivo seria um incentivo para o aumento dos investimentos. Não foi o que aconteceu. Ao gerar excessos no crédito e no consumo, houve desequilíbrios como pressão de custos, inflação, queda da lucratividade das empresas e desemprego. Com isso, a estratégia econômica contribuiu elevar incertezas, gerar uma crise de confiança e derrubar investimentos, tornando o País vulnerável a choques, como efetivamente se observou com a desaceleração global iniciada em 2011 e a queda dos preços de matérias primas, principalmente petróleo em 2014. O resultado foi a mais longa recessão da história econômica brasileira. 

O otimismo com o crescimento no Brasil, portanto, esconde duas realidades bastante diferentes e não deixa de ser um alerta para riscos de médio prazo da economia brasileira. O que está na memória dos agentes é que favorecer o consumo pode ser bom para o ciclo político de curto prazo, mas os desequilíbrios resultantes expõem a economia a choques e reduzem a confiança nos cenários. 

 

 

 

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