Roberto Padovani
02 de maio 2023
Um aspecto positivo da agenda econômica do governo tem sido a ênfase na tramitação da reforma tributária, dando continuidade à agenda de mudanças iniciada em 2016. O desafio, no entanto, será saber se haverá condições políticas para sua aprovação.
A reforma supera distorções importantes. Simplifica o sistema, transformando cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) e um único imposto de valor adicionado, o chamado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Ao mesmo tempo, tributa mercadorias em seu destino, amplia a base de arrecadação, unificando mercadorias e serviços, e reduz a cumulatividade, facilitando a recuperação de créditos.
A questão é saber quais suas chances de aprovação no Congresso. Ajuda o fato de a simplificação do sistema produzir impactos econômicos importantes ao melhorar o ambiente de negócios e reduzir ineficiências e custos de conformidade. Como o resultado tende a ser mais investimento, emprego e renda ao longo do tempo¹, a reforma é vista como uma agenda positiva.
Da mesma forma, o debate parece maduro. Além de o tema ser discutido há cerca de três décadas, o sistema tributário se tornou complexo demais e, por isso, deixou de ser funcional, construindo uma situação onde a maioria perde. Mais que a questão da carga tributária, a simplificação do sistema passou a ser uma demanda da sociedade, fazendo com que a agenda se imponha e o sistema político viabilize as mudanças. Não por outro motivo, há duas PECs com desenhos próximos em tramitação no Congresso desde 2019.
Por outro lado, reformas complexas e importantes como a tributária, em que as regras são totalmente reformuladas, só acontecem em momentos muito peculiares. A teoria da Escolha Pública² mostra que em ambientes estáveis há poucos incentivos para que a maioria, normalmente silenciosa e descoordenada, se organize para defender mudanças que muitas vezes possuem benefícios abstratos e de longo prazo. Consumidores e contribuintes têm poucos interesses em comum, dificultando a mobilização.
As minorias, ao contrário, possuem maior capacidade de bloquear as reformas por possuírem interesses mais coesos, serem mais bem informadas sobre temas específicos e possuírem maior capacidade de mobilização. Os setores que perdem com as reformas são mais organizados e vocais, conseguindo, com isso, bloqueá-las. Não menos importante, custos econômicos, sociais, institucionais e políticos fazem com que as mudanças nas políticas públicas sejam normalmente conservadoras e incrementais, incentivando longos períodos de continuidade.
Nos momentos de crise, no entanto, esta lógica se inverte. Como a maior parte da população perde com o fechamento de empresas e postos de trabalho, a irritação social e a intolerância com privilégios mudam o equilíbrio entre ganhadores e perdedores, alterando a distribuição de custos e benefícios das reformas. A maioria passa a ter interesses comuns e incentiva as minorias a fazerem acordos, evitando que as reformas sejam postergadas, como é a norma em tempos de tranquilidade. Mudar passa a ter um custo menor que o de não fazer nada.
Este modelo se aplica à reforma tributária. O fato de o País ter superado as recessões de 2014 e 2020 reduz a pressão por mudanças. Ainda que os benefícios da reforma sejam claros, eles são difusos e de longo prazo, enquanto os custos são concentrados e concretos para certos segmentos. Da mesma forma, o fato de a regulamentação da reforma e a calibragem das alíquotas virem depois da mudança constitucional torna incerta a distribuição de custos entre os setores. Tudo isto em um contexto em que governo tem como estratégia fiscal o aumento da carga tributária para financiar uma tendência já definida de alta na despesa pública.
A questão federativa também importa. Embora haja menor resistência em mudar a tributação para o destino, será um desafio fazer com que os municípios aceitem abrir mão de sua capacidade de cobrar impostos. Justamente por isso, empresas, associações de classe e prefeituras tendem a ser mais resistentes à reforma, mesmo que haja fundos de compensação para estados e municípios e tratamentos setoriais diferenciados. Por último, quanto mais frágil politicamente o governo e mais congestionada a pauta legislativa, maior a possibilidade formação de coalizões de veto.
Estes argumentos não significam que a reforma não será aprovada, dado o consenso de que algo precisa ser feito. Mas mostram que a tramitação legislativa não será simples e livre de ruídos, podendo gerar frustrações e resultados mais modestos.
1 Ver BORGES, B., “Impactos macroeconômicos da reforma da tributação sobre o consumo”, LCA, abril/2023.
2 Ver OLSON, M., “A lógica da ação coletiva – os benefícios públicos e uma teoria dos grupos sociais”, Edusp, 2015.