O populismo cobra seu preço

A estratégia de confronto político permanente pode ser racional do ponto de vista do cálculo eleitoral, mas traz danos à economia.

 

Roberto Padovani
23 de julho 2024

 

Os mercados reagiram fortemente nas últimas semanas aos sinais de descontrole das contas públicas e interferência na gestão monetária. Diante da volatilidade financeira, o governo rapidamente corrigiu seu discurso e os preços se acomodaram.

Estes movimentos políticos são muitas vezes lidos como ruídos naturais de curto prazo. Por um lado, a disputa política incentiva discursos de improviso, apaixonados e conflituosos, para manter as bases sociais e políticas de apoio. É comum que os políticos falem para seus públicos e não para o mercado financeiro.

Por outro, é compreensível que os constrangimentos financeiros e econômicos tenham efeito disciplinador nas escolhas econômicas. Dada a relação empírica entre consumo e avaliação de governo, a instabilidade financeira pode corroer o capital político do governo e ser um incentivo para se manter a responsabilidade econômica. Foi o que se observou, com o anúncio do contingenciamento de despesas, do reajuste do combustível e da meta fiscal contínua.

As turbulências, no entanto, não são neutras e produzem efeitos duradouros sobre os mercados financeiros e a economia. Foi a história de julho. As declarações do governo reforçaram a desconfiança em relação à estratégia econômica, dificultando a antecipação de cenários e, portanto, justificando prêmios de risco mais elevados em câmbio e juros.

Esta desconfiança não é gratuita e tem como base o histórico recente. O período de 2006 a 2014 foi marcado por discursos que indicavam a intenção em se mudar os regimes cambial, fiscal e monetário. O resultado foi a manutenção das regras econômicas, mas com uma inflação que oscilou acima do centro da meta e com uma grave crise fiscal e de confiança. Mais frágil e exposto a choques, o país viveu sua maior recessão.

O discurso atual de expansão fiscal e ataques ao Banco Central tem um duplo efeito. Ao mesmo tempo em que eleva o temor de que o passado se repita, tem o poder de coordenar uma agenda social e política que dificulta a estabilização.

A defesa do aumento do gasto público estimula demandas federativas, corporativas e de outros poderes. Da mesma forma, e como já ocorreu no início de mandato, as críticas à política monetária pautam a imprensa, dificultam a construção de consensos a favor dos controles da inflação e das contas públicas e reduzem a credibilidade da próxima administração do Banco Central.

Por último, a falta de credibilidade é reforçada pela leitura de que o ciclo eleitoral, que promete ser disputado, reduz as chances de que medidas mais duras de estabilização fiscal e monetária sejam adotadas.

Como a polarização interessa ao cálculo eleitoral, o incentivo é para que os discursos continuem promovendo um ambiente de conflito permanente e intolerância. Neste ambiente, é natural que haja dúvidas em relação à agenda econômica do governo.

O problema é que testar os limites da racionalidade econômica o tempo todo não é positivo. Muito esforço tem sido feito para evitar retrocessos, gerando cenários menos previsíveis e pressão em ativos financeiros. As experiências populistas de 2006 e de 2019, por exemplo, mostraram que os ruídos políticos não ajudam a controlar câmbio e as expectativas de inflação.

O resultado é que a política monetária passa a ser pautada não apenas pela análise do risco inflacionário, mas também pela necessidade de manter a credibilidade na gestão da política econômica como um todo. Com custo de capital mais elevado, o avanço do crédito, consumo e investimentos pode ser menor.

Ambientes econômicos e financeiros ruidosos, portanto, apenas dificultam a capacidade de o país crescer, criando um círculo vicioso entre baixa credibilidade na gestão econômica, menos crescimento e mais insatisfação social e ruídos políticos.

Pelo nosso histórico, já deveríamos saber que o populismo cobra seu preço.

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