O crédito para as empresas continua sendo um desafio para a plena superação da crise financeira vivida pelo País. Por este aspecto, o mercado de capitais tem dado uma contribuição notável. A experiência internacional mostra que as recessões são, normalmente, acompanhadas por crises financeiras, que tendem a retardar a recuperação. A combinação de queda do faturamento, desvalorização de garantias e fuga para a qualidade do sistema bancário leva a uma retração no crédito e piora das condições de liquidez, agravando a crise e limitando a recuperação de consumo, produção e investimento.
Este padrão foi observado no Brasil. Embora em 2011 o Banco Central (BC) tenha tido sucesso em controlar o endividamento das famílias após o longo ciclo de expansão de crédito, o mesmo não aconteceu com as empresas, que enfrentaram a recessão de 2014 com dívidas elevadas.
Por um lado, o País seguiu o roteiro tradicional: o aumento das incertezas levou os bancos a fugirem para a qualidade e concentrarem suas carteiras em grandes empresas, protegendo seus balanços. Por outro, no entanto, o caso brasileiro teve uma peculiaridade marcante. A estratégia de defesa dos bancos foi parcialmente frustrada pelo fato de a recessão ter sido acompanhada por escândalos de corrupção que atingiram os principais nomes corporativos do País, levando a perdas bancárias expressivas.
Como resultado, a contração do crédito foi pronunciada e a participação de pessoa jurídica (PJ) no estoque total de crédito da economia mostrou uma queda considerável. Os níveis de inadimplência, pedidos de recuperação judicial e falências foram recordes, aprofundando e prolongando a recessão.
A saída da crise financeira tem sido lenta e desigual. O crédito para as famílias, menos afetado pela crise, lidera a recuperação. Apesar do desemprego elevado, a forte queda da inflação preservou a renda e permitiu a recuperação da inadimplência, melhorando as condições de oferta e demanda de crédito. Os números mostram que a concessão real já supera com folga a média dos últimos oito anos e, após um longo ajuste, os indivíduos voltaram a se endividar.
Diferentemente, a recuperação do crédito bancário corporativo começou mais tarde e tem sido mais lenta. Apesar de a confiança ter sido central para reverter a tendência do mercado em 2017, a ociosidade, o endividamento e a desaceleração global não permitiram o mesmo ritmo de retomada, havendo, inclusive, estagnação nas concessões reais ao longo do segundo semestre de 2018.
Com uma recuperação moderada do faturamento, como sugerem os níveis do PIB, a qualidade do crédito avança apenas lentamente. Os pedidos de recuperação judicial e falências seguem elevados para padrões históricos, ainda que em tendência de queda. As informações contábeis continuam mostrando uma situação de fragilidade financeira, gerada tanto pela recessão quanto pela persistência dos impactos dos escândalos de corrupção, o que faz com que a classificação de risco das grandes empresas permaneça em patamares desfavoráveis.
Neste ambiente, a estabilidade dos juros básicos tem impedido quedas adicionais nos spreads bancários, indicando uma reação mais lenta e defasada das empresas à redução dos juros pelo BC. Por último, preocupa a piora recente na confiança do empresário, variável significativa para explicar o desempenho das concessões de crédito. Tudo isso leva a uma cautela dos bancos, cujas carteiras seguem concentradas em grandes nomes.
Dois fatores, no entanto, têm ajudado a gradualmente a destravar o mercado de crédito PJ. O primeiro é o fato de a inadimplência estar em seu nível mais baixo desde 2011. Este movimento em sido em grande medida influenciado pelas pequenas e médias empresas, forçadas a melhorar a qualidade de seus balanços por meio de uma redução expressiva de seu endividamento.
O segundo fator é o acesso ao mercado de capitais, doméstico e externo. Internamente, os juros baixos, a liquidez elevada e as expectativas positivas em relação ao ambiente global e ao avanço das reformas fazem com que os investidores sejam empurrados para o risco, favorecendo tanto o mercado de ações quanto o de crédito privado.
Ao mesmo tempo, a ociosidade na economia não permite que a oferta de títulos acompanhe a demanda, fazendo com que os spreads nas emissões domésticas sejam sensivelmente achatados e criem alternativas de captação para as grandes empresas. Os próprios bancos têm optado pelos créditos não bancários, uma vez que os incentivos tributários e regulatórios reduzem o risco da expansão dos balanços com os atuais níveis de spreads.
O mercado de capitais, portanto, pode estar sendo um impulso importante. Mesmo com uma menor participação no estoque total de crédito da economia, ele tem balizado preços e ajudado a melhorar a posição financeira das grandes empresas, mantendo a recuperação da economia nos trilhos.
[1] Bernanke, Ben. The financial accelerator and the credit channel. Federal Reserve, Jun/2007. Bernanke, B. Gertler, M. e Gilchrist, S. “The financial accelerator and the flight to quality”, NBER, working paper 4789, July 1994.
[2] Ver Relatório de Economia Bancária, Banco Central, dezembro de 2017. Entre 2015 e 2017, a participação das grandes empresas na carteira de crédito subiu cerca de oito pontos percentuais. Ver também “Estatísticas Monetárias e de Crédito, nota a imprensa”, Banco Central, março 2019.
[3] Ver Estatísticas Monetárias e de Crédito, nota a imprensa, Banco Central, março 2019. Para o Banco Central, pequenas e médias empresas são aquelas com faturamento inferior a R$ 300 milhões/ano.
Publicado originalmente no Broadcast em 2 de abril de 2019.