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O desafio do câmbio

O histórico de erros reduz a confiança nas projeções de câmbio, principalmente quando os fundamentos sugerem uma apreciação adicional da moeda

Projetar o câmbio é um desafio elevado com resultados normalmente ruins. Os números mostram isso. Os erros médios das projeções ao longo dos últimos 20 anos no Brasil têm sido significativos, o que naturalmente reduz a credibilidade das próprias estimativas. Diante deste desempenho, o máximo que se pode fazer é usar os fundamentos para construir alguma sensibilidade em relação à direção da moeda.

De fato, considerando-se a média das estimativas de mercado feitas para todos os janeiros desde 2001, e comparando com a média mensal efetivamente observada em dezembro de cada ano[1], o erro é de 47 centavos. O curioso é que estes erros só se materializam quando há movimentos de apreciação ou depreciação. Caso houvesse baixa volatilidade cambial, como se observou em 2010, 2011 e 2017, os desvios seriam pouco relevantes.

O padrão, no entanto, não tem sido a estabilidade. Nos episódios de desvalorização de 2001, 2002, 2008, 2018 e no período de 2012 a 2015, as expectativas de início de ano ficaram abaixo do dólar observado em dezembro em 46 centavos. Nas fases de apreciação, como entre 2003 a 2007 e em 2009 e 2016, os erros foram mais pronunciados e as expectativas ficaram acima do observado em 61 centavos.

Este comportamento mostra que a despeito da existência de vários modelos teóricos e empíricos para a taxa de câmbio[2], os números de curto prazo influenciam a montagem de cenários. Os testes de causalidade indicam que o nível do câmbio no momento explica de modo importante as projeções de médio prazo, mostrando que, ao contrário do que se poderia imaginar, são os mercados que guiam as análises.

Usar cotações próximas às do mercado à vista para projetar o câmbio faz sentido. A ideia de que os mercados são eficientes e incorporam todas as informações disponíveis incentiva o uso do câmbio à vista, supostamente o valor correto da moeda para aquele instante. O próprio Banco Central reforça esta leitura ao considerar o dólar corrente como referência ao avaliar os riscos inflacionários futuros.

Além disso, o custo oportunidade de se comprar moeda estrangeira nos mercados futuros e a teoria da paridade do poder de compra, que explica os movimentos da moeda pelos diferenciais de inflação, induzem a pensar que a cotação atual é sempre um piso para a moeda. Talvez por isso os erros em momentos de apreciação nominal sejam maiores.

Da mesma forma, a imprecisão natural das projeções feitas para variáveis econômicas e financeiras[3] é ampliada por choques positivos e negativos, muitas vezes potencializados por fragilidades institucionais. Estes ruídos reduzem a capacidade de previsão da moeda e, com isso, a confiança nos padrões históricos, modelos teóricos e hipóteses sobre o futuro. Como exercícios abstratos em ambientes instáveis possuem pouca credibilidade, as cotações correntes acabam sendo referências mais seguras.

Finalmente, o risco de reputação de se projetar valores muito diferentes dos dados de curto prazo é um constrangimento que estimula a construção de consensos em torno do valor presente da moeda. E dado que o custo de errar sozinho é maior que o benefício do acerto solitário, principalmente no caso de variáveis pouco previsíveis, a média de mercado é sempre a posição mais confortável.

Portanto, a experiência brasileira de 20 anos de regime de taxas flutuantes mostra que as estimativas de mercado raramente são um bom previsor para o câmbio de médio prazo. O peso das cotações de curto prazo e o viés gerado pela dinâmica de depreciação ou apreciação fazem com que, consistentemente, as projeções subestimem ou superestimem a taxa efetivamente observada.

Diante disso, parece mais seguro construir cenários para o câmbio através de uma avaliação sobre o desempenho esperado para os fundamentos, ou seja, para as variáveis frequentemente presentes nas modelagens estatísticas, como o dólar global, os preços de commodities, o risco soberano e o diferencial de taxa de juros.

Aplicando estes aprendizados para este ano, é possível dizer que a estimativa média de mercado de 3,78, feita em janeiro para o final de 2019, só será confirmada caso a relativa estabilidade observada ao longo do último ano tenha continuidade.

O problema é que este patamar cambial não parece ajustado aos fundamentos. Os estímulos de política nos Estados Unidos, a maior estabilidade econômica e geopolítica no mundo e a continuidade da agenda responsável no Brasil podem se sobrepor à força do dólar, às incertezas geopolíticas e ao menor diferencial de taxa de juros, abrindo espaço para uma moeda mais apreciada.

Outras variáveis usadas para explicar a instabilidade corrente dos fluxos de capitais, como o baixo crescimento doméstico, a pouca liquidez dos mercados, o pagamento da dívida externa das empresas e as incertezas em relação às reformas, parecem mais ruídos de curto prazo que um sinal claro de tendência. Tudo sugere, portanto, que é melhor continuar desconfiando das projeções.

[1] Dados do Banco Central.

[2] Rosemberg, Michel R. “Currency forecasting”, McGraw Hill, 1996, apresenta a longa tradição acadêmica e de mercados na elaboração de modelos analíticos.

[3] Boa parte dos modelos projeta variações a partir de determinado nível de câmbio, fazendo com que a estimativas oscilem junto com os dados de curto prazo. Além disso, a inércia tem peso elevado e costuma consolidar os patamares correntes da moeda. Por último, a construção de hipóteses normalmente supõe uma simplificação pouco compatível com a complexidade e dinamismo dos movimentos econômicos e financeiros globais.


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