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Meta fiscal: sem saída fácil

Após anos de controle de despesas públicas, há sinais de esgotamento deste processo e queda na credibilidade das regras fiscais como instrumento para se controlar a dívida.

Após vários anos de ajuste fiscal e avanço de reformas, a demanda generalizada por maiores gastos públicos é sinal de esgotamento deste processo, afetando a credibilidade do regime fiscal em uma situação de dívida elevada. A mudança das regras fiscais dificilmente irá alterar este cenário, trazendo insatisfação para eleitores e investidores.

O consenso é que o arcabouço fiscal deixou de ser funcional. Além de regras sobrepostas meta para o resultado primário, regra de ouro e teto de gastos, as frequentes flexibilizações reduziram a credibilidade do sistema e dificultam a ancoragem das expectativas.

O contexto agrava a situação. A esperada desaceleração global e doméstica deve impactar a arrecadação ao mesmo tempo em que há uma demanda represada por gastos depois de anos de ajustes. Será difícil evitar o reajuste dos servidores e a recomposição das despesas discricionárias, principalmente os investimentos públicos.

Mais que uma questão trabalhista isolada, os reajustes salariais simbolizam o desgaste da estratégia de contenção fiscal em meio a um período eleitoral. Na mesma linha, o debate mais amplo sobre a reforma do Estado e de sua estrutura de gastos deve enfrentar dificuldades crescentes. Isso porque os ciclos econômicos fazem com que os avanços institucionais não sejam lineares.

Neste momento, não há mais o mesmo ambiente político para discutir mudanças amplas. Superada a recessão, é pouco provável que a população se mobilize e constranja a atuação de grupos organizados que tradicionalmente bloqueiam a tramitação de reformas. A falta de apoio do próprio governo para consolidar programas sociais e avançar as reformas tributária e administrativa são bons exemplos¹.

Infelizmente, este ambiente encontra o País em uma situação fiscal delicada. Com juros reais maiores que a capacidade de o País crescer, o custo financeiro do elevado endividamento deixado pela pandemia aumentou o desafio para se controlar a dívida púbica.

Em um cenário otimista, onde os juros voltem para o patamar e 7,0% ao ano, a economia caminhe para um crescimento médio próximo de 2,0% e o teto seja mantido e, com ele, a previsibilidade das despesas, a dívida do governo demoraria cerca de dois mandatos presidenciais para se estabilizar. Os exercícios de dinâmica de dívida mostram que a partir de

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¹ Pode ser igualmente complicado avançar rapidamente em reformas que melhorem a produtividade e a capacidade de crescimento do País, o que poderia ancorar as expectativas ao permitir que os investidores antecipassem um melhor desempenho da receita.

Um patamar de 78% do PIB estimado para final deste ano, a tendência seria de alta gradual até 2028, momento em que a dívida bruta se estabilizaria na casa de 85%. Neste ambiente, o pouco espaço para cortes nos gastos discricionários que acomodem a tendência de alta das despesas obrigatórias² faz com que as metas fiscais dificilmente consigam resgatar a confiança na capacidade de o Estado controlar sua dívida. Dada a rigidez orçamentária, a definição de metas para o resultado primário já se mostrou insuficiente para impedir a tendência de aumento da despesa e crises de dívida em situações de reversão do ciclo econômico. Da mesma forma, a limitação constitucional dos gastos não incentivou um debate público sobre prioridades e escolhas orçamentárias. Pelo contrário. A regra tem estimulado esforços contínuos para sua flexibilização, minando a confiança no sistema.

A situação, portanto, é complexa. O regime fiscal mostra baixa credibilidade em um momento de pressão por gastos, dívida elevada e forte competição política. Como a dinâmica de dívida depende em parte de sua própria trajetória, este ambiente afeta a confiança dos agentes, gera instabilidade financeira, pressão nos juros e baixo crescimento, agravando ainda mais a situação fiscal. Portanto, a despeito do bom desempenho recente das contas públicas, reconquistar a credibilidade no regime fiscal e ancorar as expectativas em relação à trajetória de dívida não serão tarefas simples. O cenário não parece promissor.

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² Além de particularidades institucionais brasileiras, a experiência internacional mostra que existe um viés pró-gasto gerado pela ilusão política dos estímulos de curto prazo e pela atuação de grupos de pressão, de olho nos recursos orçamentários que permitem benefícios concentrados e custos difusos.  Ver Giambiagi, F., Tinoco, G. “O teto do gasto público: mudar para preservar”, BNDES, texto para discussão 144, set/2019

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