Política de Privacidade

Mais emoção que razão

Ago/17 - Avaliações emocionais ganham espaço em momentos de crise e eleições, o que dificulta a discussão e a aprovação de reformas importantes, como a da previdência

Avaliações emocionais ganham espaço em momentos de crise e eleições, o que dificulta a discussão e a aprovação de reformas importantes, como a da previdência

33517768253_b56c485384_z
Confronto no centro do Rio durante protesto contra as reformas trabalhista e da Previdência, em abril de 2017: fanatismo de esquerda e direita estimulam agendas populistas (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil/Creative Commons)

A reforma da previdência é hoje fundamental para se equilibrar as contas do governo e permitir que a dívida pública se estabilize. Mas apesar de todas as evidências contábeis, o debate sobre o tema se mostra pouco racional, o que dificulta a comunicação e o avanço da reforma no Congresso.

Para muitos, o crescente rombo da previdência poderia ser enfrentado com soluções administrativas simples, como novos impostos, redirecionamento de recursos, corte de privilégios e aumento da eficiência da máquina pública. Essa avaliação, que claramente subestima o tamanho do problema fiscal, mostra a dificuldade dos especialistas em pautarem o debate público (1).

Além da complexidade natural do tema, uma possível explicação para esta negação da realidade é o clima emocional gerado pela longa crise econômica que o país atravessa.

Desemprego e falências são rupturas que geram frustração, rejeição e angústia. Nestes momentos, as tensões econômicas se misturam a medos individuais e irritação pessoal, gerando ansiedade e uma baixa tolerância para dúvidas e debates complexos.

O resultado é o fanatismo de esquerda e de direita, ambos estimulando a oferta de agendas populistas, com soluções fáceis e desprezo pelo conhecimento acumulado. São nos momentos de desespero que ideologias salvadoras trazem alívio ao produzir diagnósticos simples e saídas mágicas. A tendência é negar convenções, modelos racionais e análises ponderadas, tudo o que de alguma forma possa ser confundido com o status quo. A demanda é por dogmas, não por discussões racionais sobre escolhas de políticas públicas.

Não por outro motivo, o fanatismo caminha junto com a violência. A intolerância mobiliza, cria vínculos e propósitos.  O mundo passa a ser binário e a superação da crise se resume a combater algum inimigo que se supõe o causador único de todos problemas. Em um ambiente de certezas cegas, não há porque negociar e a moderação passa a ser sinônimo de conservadorismo (2).

Justamente por isso, as eleições do próximo ano não deixam de ser preocupantes. Dificilmente teremos um debate racional, sobre temas que interessam. Os discursos políticos já estão sendo construídos de modo simplista, maniqueísta e com líderes raivosos que dividem a sociedade em grupos opostos. O objetivo é apenas reforçar bandeiras ideológicas e conquistar votos no mercado eleitoral, ao mesmo tempo em interesses corporativos se escondem atrás de causas nobres e supostamente humanitárias.

Da mesma forma, os partidos políticos se comportam como grupos que acolhem e protegem, oferecendo uma ideologia que ajuda a superar os medos do presente e a construir a crença em um futuro melhor. Nestes casos, a devoção importa mais que a própria causa e o debate político se confunde com o futebol e com a religião.

Os próximos meses no Brasil, portanto, devem continuar mostrando elevado fanatismo. O debate político irá provavelmente desinformar, dificultando a construção de consensos e saídas para a crise. O ambiente político tende a piorar.

Paradoxalmente, no entanto, é a crise que irá viabilizar a reforma após as eleições. Seja qual for o próximo presidente, as restrições fiscais irão trazer todos os discursos de volta à realidade.

Além disso, continua valendo a tese que ajudou a explicar a mudança de rumos no Brasil. A experiência internacional mostra que os momentos difíceis geram a tensão necessária para mobilizar a sociedade por mudanças. Quando tudo caminha bem, não há porque mudar. Mas o custo presente da recessão e do desemprego faz com que a maioria normalmente silenciosa, que raramente percebe os benefícios difusos de uma mudança, enfrente as minorias vocais que defendem a continuidade de seus privilégios. Não por outro motivo, as reformas raramente são feitas por opção, mas sim por falta de opção.

Infelizmente, portanto, teremos que esperar as eleições de 2018 para que a serenidade volte ao debate e a sociedade se mostre mais disposta a enfrentar seus problemas reais. Até lá, será mais emoção que razão.

______________________

(1) Kahan, D.; Braman, D.; Jenkins-Smith, H.. “Cultural cognition of scientific consensus”, Journal of Risk Research.

(2) Ver Hoffer, Eric. “The true believer”, First Perennial Classics, 1951.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mostrar mais

Generic selectors
Apenas Busca Exata
Pesquisar por Título
Pesquisar por Conteúdo
Post Type Selectors
">
Filtrar por Categoria
Uncategorized