Política de Privacidade

Longa e difícil convergência

Com choques sucessivos em um ambiente atipicamente instável, a convergência da inflação às metas segue sendo um desafio.

A pandemia tem sido marcada por choques e movimentos econômicos não antecipados. A inflação é um bom exemplo e há dois anos o IPCA surpreende a cada mês. Embora as expectativas não indiquem um cenário de descontrole, os desafios para o Banco Central são elevados e tudo sugere que o processo de desinflação será longo e custoso.

A história é bem conhecida. Depois da inesperada e aguda contração da economia internacional durante a pandemia em 2020, as respostas dos governos foram coordenadas e eficientes. Como resultado, a demanda reagiu mais rapidamente que a oferta e levou, em 2021, a um processo de alta dos custos de matérias primas, normalização de preços represados durante a recessão e desorganização das cadeias produtivas e da logística global.

No Brasil, os choques externos ganharam intensidade com a desvalorização cambial e com os problemas climáticos, afetando os custos de alimentos e energia. Mais tarde, estas pressões localizadas transformaram-se em reajustes generalizados. A média dos núcleos já alcançou o patamar de dois dígitos e os reajustes disseminados de preços criaram uma nova e mais preocupante dinâmica inflacionária. Não por outro motivo, o IPCA continua em alta, saindo de um patamar próximo a 2,0% em maio de 2020 para cerca de 12,0% dois anos depois.

Os argumentos a favor de um processo de desinflação à frente são consensuais. A retirada dos estímulos monetários pelos bancos centrais no Brasil e no mundo explica a convergência do crescimento global à média histórica, que pode ser acelerada pelos confinamentos na Ásia e pelas incertezas geopolíticas na Europa. Com a acomodação contratada da demanda, espera-se menor pressão de custos e de repasses ao consumidor final.

No caso brasileiro, além de um menor impulso externo e da perda de fôlego da renda, a política monetária passou a ser contracionista depois do quatro trimestre do ano passado, fazendo com que os impactos, por meio do canal de crédito, comecem a ficar mais claros a partir de agora. Ao mesmo tempo, as incertezas políticas e eleitorais dificilmente serão neutras para a confiança de empresários, consumidores e investidores, que tendem a postergar suas decisões e reforçar o desaquecimento.

O ritmo da queda da inflação, no entanto, permanece sendo uma dúvida. A economia global ainda sofre choques, com a pandemia na China e a guerra na Europa atrasando a regularização da oferta de matérias primas e das cadeias de produção. Reforça a tendência de elevação dos preços a flexibilização dos confinamentos e a recuperação do setor de serviços.

O câmbio é um problema adicional no Brasil. A alta dos juros internacionais e o aumento do risco gerado pela desaceleração global e pelos ruídos fiscais e políticos locais podem exigir maior esforço da política monetária para que o câmbio sustente a tendência de apreciação.

Todos estes fatores mostram que o cenário continua atipicamente instável e imprevisível. Não por outro motivo, os modelos de projeção de inflação mostram erros sistemáticos. Com a sequência de choques, principalmente em matérias primas, os comportamentos passados deixaram de ser bons guias para o futuro, reduzindo a confiança em hipóteses e estimativas.

É o caso da inflexão do IPCA. Depois de frustrações recorrentes, a virada da inflação deixou de ser algo relevante por ser percebida como um processo lento e insuficiente. Mesmo com a possível definição de um teto para o ICMS, diminuição da frequência dos reajustes de gasolina e menores incertezas climáticas ajudando a estabilizar os preços de alimentos e energia, o IPCA pode sair do atual patamar de 12,0% para algo mais próximo a 9,0%, nível ainda muito elevado.

Neste ambiente, os desafios para os bancos centrais aumentaram em todo o mundo. Localmente, a proteção institucional dada pela autonomia formal da autoridade monetária, algo especialmente importante em um período eleitoral, e a rápida correção dos juros não foram suficientes para reduzir o risco de não cumprimento da meta por três anos seguidos.

É possível que este desempenho também esteja associado às dificuldades naturais de adoção e comunicação de estratégias de médio prazo em ambientes pouco previsíveis. O alongamento dos horizontes de política, a estratégia de convergência gradual da inflação e os compromissos com níveis de juros, que poderiam funcionar bem em uma situação de normalidade, parecem, agora, ajudar pouco a ancoragem das expectativas e o controle dos preços.

De fato, diante de um cenário instável, a ênfase no alongamento dos horizontes de política talvez seja contraproducente. Embora os efeitos da política monetária sobre o crescimento econômico sejam defasados, outros canais mais ágeis de transmissão de política, como o câmbio, acabam pesando na formação de expectativas.

Na mesma linha, o aprendizado recente é que ambientes de alta instabilidade como o atual não aconselham compromissos de médio prazo. Em 2020, a estratégia de testar os limites de juros e comunicar a forte intenção de mantê-los baixos por muito tempo teve vida curta. Da mesma forma, a ideia de normalização parcial da política monetária em 2021 e a indicação do fim do ciclo de 2022 não funcionaram.

Por fim, o histórico de inflação elevada no País dificulta a diferenciação entre convergência lenta e tolerância inflacionária. Somadas, estas estratégias apenas agravam as incertezas e estimulam a inércia inflacionária. As evidências mostram que períodos de altas taxas de inflação estimulam posturas defensivas dos agentes, através da remarcação de preços e indexação de contratos. Parece ser o caso agora.

Portanto, a persistência de choques e ruídos aumenta a inércia inflacionária e dificulta a volta do IPCA para as metas, exigindo mais juros por mais tempo. O resultado é um processo de convergência da inflação lento e com altos custos econômicos, sociais e políticos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mostrar mais

Generic selectors
Apenas Busca Exata
Pesquisar por Título
Pesquisar por Conteúdo
Post Type Selectors
">
Filtrar por Categoria
Uncategorized