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Erro de cálculo

A avaliação do governo tem sido negativamente afetada pela inflação e pelos ruídos políticos. Neste momento, a alta dos juros piora o quadro justamente em meio ao ciclo eleitoral.

A inflação mudou o cenário político do País. Em 2021, a alta dos preços impediu que a rápida recuperação da economia se transformasse em melhoria na avaliação do governo. Agora, a taxa de juros será responsável pela desaceleração econômica em meio ao ciclo eleitoral.

No ano passado, de fato, a alta dos preços trouxe o sentimento generalizado de que o País atravessava uma forte crise mesmo com o bom desempenho do agronegócio, do crédito e do mercado de trabalho. A expansão de 1,4% do comércio varejista em 2021, indicador que reflete bem as condições de renda, crédito e confiança, não se traduziu em mais apoio da população ao governo. Pelo contrário, a avaliação ótimo/bom, medido pelo Datafolha, caiu do patamar de 35% para 25%.

Pouco ajudou o fato de os choques nos preços terem um forte componente global. A origem externa das crises de 1998 e 2008, por exemplo, preservou a popularidade do presidente. Neste momento, a inflação está subindo de modo expressivo em todo o mundo, oscilando em níveis atipicamente elevados na Europa e nos Estados Unidos. Este movimento é fruto da rápida retomada econômica que levou à valorização das commodities e a desequilíbrios na logística e nas cadeias de produção.

Diferentemente, no entanto, a inflação tem sido percebida como uma questão doméstica, penalizando politicamente o governo. Isso porque as pressões globais foram potencializadas por questões locais de alta visibilidade. Enquanto o clima pressionou os preços de alimentos, combustíveis e energia elétrica, a desvalorização cambial, explicada por ruídos políticos frequentes, agravou o quadro. Temas como tensões institucionais, trocas na equipe de governo e polêmicas em torno das regras fiscais e de políticas públicas pesaram na cotação do câmbio.

Como resultado, a moeda oscilou em níveis substancialmente mais depreciados que o sugerido pelos chamados fundamentos e pelo comportamento de outros mercados emergentes. O sucesso no controle das contas públicas e alta dos juros domésticos e dos preços de commodities não foram suficientes para um melhor desempenho cambial.

Embora o câmbio dificilmente fosse mudar o quadro inflacionário, a desvalorização potencializou os choques externos ao pressionar custos, estimular a indexação e dificultar a ancoragem das expectativas. Não por outro motivo, a Petrobras se transformou em um tema político e a confiança do consumidor tem mostrado tendência de queda apesar da superação da pandemia e da crise econômica.

Se o câmbio e a inflação atrapalharam a avaliação do governo até aqui, o aperto monetário resultante dificilmente irá ajudar agora. A alta do IPCA levou o Banco Central a iniciar um rápido processo de realinhamento da taxa de juros.

Considerando os juros neutros em 7,0%, a redução efetiva de estímulos só ocorreu a partir de outubro de 2021. Isso significa que, pelas defasagens naturais dos canais de transmissão de política, a atividade econômica só irá sentir plenamente os efeitos da retirada de estímulos a partir do terceiro trimestre de 2022. Ou seja, parte substancial do ciclo de alta de juros irá produzir efeitos plenos sobre o crescimento no terceiro trimestre, período de elevada sensibilidade política.

Para piorar, a apreciação cambial do começo do ano não foi suficiente para compensar os novos choques globais. Com a inflação ainda oscilando em patamares elevados, os próximos meses trarão uma combinação ruim de desaceleração externa e contração da renda e do crédito no Brasil.

Neste cenário, é pouco provável que o esforço de se controlar preços de energia e novos estímulos fiscais alterem de modo relevante o quadro político. A estratégia de tensão e ruídos contínuos fragilizou o País no enfrentamento de choques e cobrou seu preço em termos de avaliação do governo nos últimos meses.

Agora, a alta da taxa de juros deverá levar a uma perda de fôlego do crescimento, gerando desafios adicionais para a recuperação da popularidade do presidente. O fato de estes efeitos ocorrerem justamente em meio ao ciclo eleitoral parece, na melhor das hipóteses, um erro de cálculo.

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