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Equilíbrio frágil

O desafio de reduzir a inflação nos Estados Unidos pode ser um gatilho para uma piora do quadro econômico e político no Brasil.

Roberto Padovani
05 março 2024

Desde final de 2023 há grande otimismo com a economia global. Embora haja razões para o bom humor dos mercados, os riscos à frente são elevados e podem trazer cenário menos positivos.

O ambiente global até o momento se mostrou melhor que o esperado. A velocidade da queda da inflação foi uma boa surpresa. A regularização das cadeias globais de produção, choques positivos em alimentos e energia e a mudança estrutural no crescimento chinês, contribuindo para um canal de baixa para preços de commodities, permitiram o controle dos preços com baixos custos em termos de emprego.

Diante deste cenário, a leitura corrente é que há espaço para, pelo menos, três cortes de juros pelo Federal Reserve a partir do segundo trimestre desse ano, ajudando a preservar o crescimento. A visão majoritária é que a economia norte-americana mantenha o ritmo de expansão observado desde 2022.

Com inflação global em queda, liquidez elevada e crescimento mantido, os principais indicadores de risco mostram que a posição dos países emergentes é favorável. A volatilidade da bolsa americana está em seu nível mais baixo desde a pandemia e os spreads de crédito soberano oscilam abaixo da média história dos últimos 20 anos.

Para o Brasil, o contexto externo traz confiança em um quadro de ingressos de capitais, apreciação cambial, inflação controlada e juros mais baixos, reforçando o otimismo já presente com o desempenho das contas externas, da renda e do crescimento.

O problema é que este equilíbrio é frágil, com riscos relevantes sendo colocados em segundo plano. Toda esta história mais positiva, por exemplo, pode ser desmontada com um comportamento menos favorável da inflação nos Estados Unidos.

A chamada última milha é, efetivamente, um desafio. Novos temas trazidos pela pandemia, como dívida pública, menor integração das cadeias globais e baixo desemprego, elevam a incerteza em relação aos juros neutros e à capacidade de manter a convergência da inflação em direção à meta.

Mais importante, a probabilidade de um cenário adverso não parece baixa. Superados os choques positivos de 2022 e 2023 e mantido o crescimento econômico, a inflação mostra resistência à queda. Embora o índice de gastos com consumo (PCE) ainda indique um cenário de convergência, desde meados de 2023 a inflação ao consumidor (CPI) e ao produtor (PPI) interromperam a tendência de queda.

Com economia aquecida e inflação acima da meta, a manutenção de juros elevados por mais tempo é uma opção confortável para o banco central norte-americano. Porém, a frustração das expectativas de cortes de juros poderia trazer mais instabilidade financeira, encarecimento do crédito e menor crescimento global.

Como resultado, a aversão a risco dos agentes se eleva e incertezas bancárias, fiscais e geopolíticas voltam a ganhar relevância. Localmente, uma eventual mudança de meta fiscal tende a confirmar um quadro de déficit e dívida em alta, tornando a economia vulnerável a choques.

A dinâmica externa reforça os desequilíbrios domésticos. Mantida a atual saída de recursos financeiros, o câmbio fica pressionado. Ao mesmo tempo, taxas baixas de desemprego e a manutenção de estímulos fiscais por mais tempo que o necessário ampliam o desequilíbrio entre investimentos e consumo, repetindo a experiência de 2006 e limitando a convergência da inflação também no Brasil.

Com inflação acima da meta, o espaço para cortes de juros se reduz. Não seria surpresa, neste caso, maior ansiedade política e pressão por mais gastos, agravando as pressões no câmbio e no mercado de juros. Da mesma forma, o ambiente mais confuso impacta negativamente a confiança de empresários e consumidores.

Com piores condições de renda, crédito e confiança, o ritmo de retomada econômica esperado para este ano se reduz. Menor crescimento, juros mais altos e déficit público elevado ampliam as dúvidas em relação à dinâmica de dívida e criam um círculo vicioso entre desempenho econômico e escolhas políticas.

Esta visão mais pessimista está por trás da instabilidade dos juros internacionais e da dispersão das estimativas locais para PIB, juros e câmbio. Os dados do Banco Central mostram que o desvio padrão das projeções sobe em períodos de incertezas elevadas, como foram as experiências de 2002, 2009 e 2020.

Parece ser o caso atual, com a dificuldade em se montar cenários para crescimento, inflação e contas públicas no Brasil e no mundo. Com um conjunto de informações de baixa qualidade, faz sentido que o desvio padrão tenha voltado a subir pela primeira vez desde a pandemia.

O desafio de reduzir a inflação nos Estados Unidos, portanto, pode ser um gatilho para uma piora do quadro econômico e político no Brasil. Como a pandemia ensinou, o melhor é não ter muitas certezas neste momento.

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