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Entre extremos

Não é apenas os preços dos ativos financeiros que mostram instabilidade ao longo do ano. A construção de cenários também tem oscilado entre extremos no Brasil e no mundo.

Os temas globais que têm guiado os mercados financeiros nas últimas semanas oscilam entre o medo de recessão e o medo de inflação. Este é um sinal de que o cenário segue atipicamente instável e pouco previsível.

Por um lado, a inflação preocupa e pressiona os bancos centrais. Além de Estados Unidos e Europa viverem seus níveis inflacionários mais elevados em décadas, a economia global sofre novos choques. A pandemia na China, combinada à guerra na Ucrânia e à imposição de sanções econômicas à Rússia, tem explicado a continuidade de alta de preços de matérias primas e a persistência da desorganização logística e dos desequilíbrios nas cadeias globais de produção. O resultado é mais pressão em custos e inflação.

Diante deste cenário, faz sentido que os juros internacionais voltem a operar no terreno restritivo. No caso norte-americano, a combinação de pleno emprego e inflação sensivelmente elevada abre espaço para juros acima do patamar neutro. Pelo padrão histórico, não se pode descartar que os juros de 10 anos voltem a superar o patamar de 4,5%. O mundo anterior à crise financeira de 2008 parece ser uma referência melhor para a política monetária atual.

Com juros em alta, os ativos considerados mais arriscados tendem a ter um pior desempenho. Não por outro motivo, o desempenho das bolsas, principalmente as ações de tecnologia, oscilam dentro de um canal de baixa desde abril. É razoável também que os mercados emergentes continuem menos atrativos neste ambiente.

O problema é que esta avaliação não é consensual. Há também a expectativa de que a desaceleração econômica global já contratada ganhe intensidade. A paralisia da economia chinesa e os impactos da guerra sobre o crescimento europeu se somam à retirada dos estímulos monetários na Europa e nos Estados Unidos. Nos cenários mais pessimistas, esta desaceleração pode se transformar em recessão global a partir do próximo ano.

Neste contexto, o desaquecimento da demanda global desestimula os repasses de custos e reduz a pressão sobre matérias primas. Com uma perspectiva de convergência da inflação global, a correção dos juros poderia ser mais suave, preservando parte da liquidez dos mercados. É o que se observa, por exemplo, na Ásia, com os bancos centrais ainda relativamente confortáveis em manter os estímulos de política. Justamente por isso, o sentimento entre os investidores nos últimos dias tem sido de busca por risco, com a recuperação das bolsas e a volta dos fluxos para os mercados emergentes.

Este debate mostra a dificuldade, ao longo dos últimos dois meses, em se desenhar e antecipar cenários. A oscilação entre o medo de inflação e de recessão é uma informação importante e mostra quão arriscados e instáveis estão os mercados. Neste momento, paradoxalmente, o quadro de recessão parece mais favorável aos ativos e risco. Pelo menos no curto prazo, os investidores se mostram mais otimistas e confiantes.

A complexidade da conjuntura também se observa no Brasil. Mas o otimismo aqui aparece de outro modo. Os resultados do PIB do quarto trimestre de 2021 e a boa expectativa para a economia no primeiro trimestre deste ano afastaram o temor de uma recessão em 2022. No entanto, a dispersão das projeções para o crescimento neste ano chama atenção, com os dados oscilando dentro de elevado intervalo de -2,0% a 2,0%.

Na visão otimista, o melhor desempenho da economia reduz o risco fiscal e abre espaço para que o País se torne mais atrativo aos fluxos de capitais. Enquanto o crescimento e o risco controlado atraem recursos para uma bolsa descontada, a taxa elevada de juros, com o Banco Central se aproximando do final do ciclo de aperto monetário, faz com que os investimentos em renda fixa sejam atraentes. O resultado seria, portanto, apreciação da moeda.

Pouca ênfase, no entanto, tem sido dada aos próximos meses. Embora o desempenho do crescimento no primeiro semestre deste ano esteja se mostrando melhor que o esperado, as perspectivas mais comuns entre os analistas é que o quadro para o segundo semestre e para 2023 seja pouco promissor.

O menor impulso externo, somado à queda da renda e à contração no crédito, deve explicar uma importante desaceleração econômica. Com menos crescimento e inflação, as receitas do governo devem perder fôlego em um momento de pressão política crescente por maiores gastos. Dado o nível de endividamento público e seu elevado custo financeiro, a dinâmica de dívida não mostra uma boa história. Não menos importante, o risco eleitoral parece subestimado, o que pode levar a uma correção de preços nos mercados locais.

Seja como for, as oscilações de ênfases e medos no Brasil e no mundo são um sinal de que o quadro econômico não está estabilizado, dificultando a produção de diagnósticos e projeções. O cenário, portanto, segue propenso a acidentes.

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