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Apesar de a eleição ter sido a mais competitiva desde a redemocratização, o fato de nenhum governo mal avaliado ter vencido as eleições permitiu o mercado antecipar o resultado.

Esta eleição foi marcada por duas características principais, uma elevada competitividade e, paradoxalmente, a relativa tranquilidade com que foi acompanhada pelo mundo financeiro e de negócios.

Uma explicação possível para a estabilidade do processo pode estar na capacidade de o mercado antecipar tanto o resultado eleitoral quanto o perfil do novo governo. Mesmo com uma eleição tão indefinida do ponto de vista quantitativo, a experiência das últimas décadas trouxe aprendizados e permitiu maior previsibilidade do processo¹.

A base do argumento está no fato de as eleições serem sempre um momento de julgar o presidente e seu mandato. O foco está no governo, e não na posição. Neste caso, as pesquisas de avaliação de governo são uma boa referência para seu desempenho eleitoral, com o patamar de aprovação sendo um balizador das intenções de voto no primeiro e segundo turnos.

Mais importante, o apoio da população não é algo aleatório e mostra alta correlação e causalidade com ambiente econômico de curto prazo². Assim como se observa em outras democracias, a chamada miopia do eleitor faz com que as condições econômicas correntes, mais que a memória de temas passados, sejam uma variável crítica para avaliar as chances eleitorais do presidente.

Neste ano, a prevalência de temas de curto prazo produziu um impacto eleitoral duplo. O primeiro é o fato de a oposição ter sido preservada, sendo pouco julgada por problemas de gestões anteriores. Mesmo com a maior exposição de temas delicados durante a campanha, em nenhum momento as pesquisas de intenção de voto mostraram uma tendência de piora.

O segundo impacto é que as condições econômicas de curto prazo limitaram a recuperação da aprovação do governo e da competitividade de seu candidato. Por um lado, os estímulos fiscais e o crescimento econômico permitiram ao governo ser mais bem avaliado. Por outro, a polêmica administração da pandemia, os intensos ruídos institucionais, o endividamento das famílias e, principalmente, a inflação³ explicam a elevada rejeição do governo4.

A combinação destes fatores fez com que a eleição fosse decidida por uma estreita margem a favor da oposição, como sinalizaram o resultado do primeiro turno e boa parte das pesquisas. As incertezas quantitativas foram ampliadas com a polêmica em torno da metodologia das
pesquisas de intenção de voto, a fragilidade de padrões estatísticos construídos com apenas oito eleições e a memória das surpresas de 2018, com o uso político das redes sociais. A pequena diferença nas intenções de voto fez com que as atenções se voltassem para temas
pontuais, como a abstenção e apoios regionais.

A imprevisibilidade quantitativa, no entanto, não impediu que a dinâmica eleitoral pudesse ser qualitativamente antecipada pelos mercados. Isso porque os últimos anos mostram que o contexto importa. A prolongada crise dos anos 80 influenciou o clima antipolítica de 1989, o
sucesso no controle da inflação foi importante em 1994 e 1998, as crises globais e o posterior ciclo internacional de commodities foram fatores respectivamente decisivos em 2002 e 2006/2010 e a recessão em 2014 e os escândalos de corrupção do período explicam os
resultados em 2014 e 2018.

Em 2022, o ambiente foi fortemente marcado pela elevada rejeição ao governo. Na curta experiência democrática brasileira, nenhum governo mal avaliado, com rejeição maior que aprovação, venceu as eleições. Diante disso, as fotografias mostradas pelas diversas pesquisas
faziam sentido, o que foi confirmado pelo resultado em primeiro turno e colocou as polêmicas em segundo plano5. A rejeição indicava também a dificuldade em reverter a situação para o segundo turno.

O contexto político, social e econômico de 2022, portanto, permitiu ao mercado antecipar o resultado eleitoral, a despeito da indefinição quantitativa. Se o aprendizado dos últimos anos é que o contexto torna possível antecipar a dinâmica das eleições, então talvez ele ajude
também a avaliar os riscos do novo governo. Além de a experiência mostrar que as transições não são acompanhadas por mudanças institucionais abruptas, o ciclo global desfavorável e o fato de as eleições terem sido altamente competitivas fazem com que o capital político do próximo governo dificilmente se eleve muito diante de um Congresso institucionalmente mais forte e não alinhado ideologicamente.

Este quadro de maior equilíbrio de forças incentiva a negociação política, com busca por apoios ao centro limitando as agendas mais radicais. Mesmo que haja preocupações com a transição, o cenário para 2023 não deverá trazer muitas surpresas. Esta leitura esteve presente todo o tempo no mercado financeiro, ajudando a explicar o descolamento entre preços de ativos e noticiário político.

Ao final, apesar de esta ter sido a eleição mais disputada desde a redemocratização, o passado foi um bom guia para antecipar qualitativamente seu resultado e talvez permita entender qual será o cenário dos próximos meses. O que ficou novamente claro é que o contexto importa.

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[1]Nem mesmo a inviabilidade da terceira via foi uma surpresa. Conforme o padrão histórico, a maioria dos votos em primeiro turno ficou concentrada em apenas dois nomes.

[2]Historicamente há uma elevada correlação entre aprovação de governo e comércio varejista.

[3]A despeito da rápida recuperação do consumo após a pandemia, refletindo a melhoria da economia como um todo, a avaliação do governo teve piora sensível em 2021, momento em que a inflação se acelerou.

[4]Interessante notar que a rejeição se manteve elevada e pode ser percebida não apenas por meio das pesquisas de opinião pública, mas também pelo amplo leque de apoios à candidatura de oposição.

[5]Foi confirmada a ideia de que problemas metodológicos e movimentos táticos dos eleitores não são suficientes para explicar resultados radicalmente opostos do capturado pontualmente pelas diversas pesquisas. Os agregadores se mostraram um indicador razoável do quadro político e o ambiente econômico, da mesma forma, se provou uma referência confiável para checar a aprovação de governo e a intenção de voto.

 

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