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Economia reduz risco político

Modelos que avaliam o risco político com base na economia sugerem um cenário de maior estabilidade à frente.

Ao contrário do que tem se observado desde 2013, é provável que os próximos anos apresentem um quadro de maior estabilidade política. A base deste argumento é dada por estudos que avaliam os impactos das condições econômicas sobre o ambiente político.

Apesar de a relação entre economia e política ser amplamente conhecida e haver vasta e sofisticada pesquisa na área, esta abordagem raramente é utilizada. Na maior parte das vezes, a visão é que a política possui uma lógica própria, com as análises não seguindo modelos teóricos formais e sendo influenciadas pelo curto prazo. Normalmente se consideram variáveis subjetivas, como aspectos pessoais das lideranças e bastidores de negociações, conduzindo a impressões apaixonadas e com baixo poder preditivo.

Ao contrário, modelos de análise política que se valem da economia permitem avaliações sobre temas relevantes como eleições, escolhas de políticas públicas e governabilidade.

A ideia principal é que o bem-estar ou o desconforto[1] da população influencia os níveis de aprovação dos governos e suas chances eleitorais[2]. No caso brasileiro, por exemplo, há uma forte correlação estatística entre renda e popularidade[3].

Esta relação possui várias implicações, como mostra a pesquisa sobre competitividade eleitoral de Daniela Campello[4]. Sua tese, exposta ao longo deste artigo, é que os ciclos econômicos nos mercados emergentes acompanham os movimentos globais e prejudicam, com isso, a capacidade de os eleitores avaliarem os governos. Isso porque a simultaneidade dos ciclos dificulta a identificação dos componentes internos e externos dos choques[5] e faz com que os eleitores acabem atribuindo ao executivo toda a responsabilidade pelos momentos de euforia e de depressão.

O problema é que esta incapacidade de avaliação gera danos para a democracia ao fazer com que a sorte seja mais importante que o mérito para o sucesso eleitoral. Governos incompetentes, mas com a sorte de um ciclo global favorável, são recompensados pelo eleitor, ao passo que líderes competentes, mas sem sorte, podem ser punidos.

Como resultado, a dificuldade no julgamento da competência dos presidentes gera distorções na competição eleitoral e reduz o poder que o voto tem de incentivar boas práticas e políticas públicas, influenciando a qualidade da gestão de governo e a estabilidade política.

O caso sul americano é claro. A elevada dependência das exportações de matérias primas e da poupança externa[6] faz com que mudanças na economia internacional sejam potencializadas e gerem ciclos intensos e frequentes de expansão e colapso (boom and bust cycles).

É verdade que em episódios recentes os eleitores brasileiros conseguiram distinguir as causas das volatilidades. Em 1998 e 2009, a percepção de que a crise tinha origem externa permitiu preservar a popularidade do governo. Na recessão de 2014, ao contrário, o pior desempenho relativo da economia brasileira foi visto como um sinal de má gestão e explicou a forte queda da avaliação do presidente.

Na maior parte das vezes, no entanto, os movimentos na economia e na política são simultâneos. O recente ciclo de commodities viabilizou longos mandatos presidenciais em diversos mercados emergentes, indicando como a política segue padrões globais[7]. No Brasil, Juscelino Kubitschek, o regime militar e Lula são alguns exemplos de como o quadro externo pode beneficiar a avaliação dos presidentes.

As distorções no processo eleitoral, por sua vez, geram efeitos relevantes sobre as escolhas de política econômica e a agenda de reformas. Com as sanções do voto atenuadas, o custo da irresponsabilidade, do desperdício e da corrupção se reduz. Justamente por isso, os períodos de exuberância na América Latina conduzem ao populismo e, tipicamente, ao desequilíbrio fiscal, controle de tarifas públicas e abandono de reformas, resultando em alta da inflação e do desemprego[8].

Não por outro motivo, os fins de ciclo são geralmente acompanhados por violentas crises econômicas e políticas, mostrando como a incompetência estimulada pelas ineficiências eleitorais também afeta a governabilidade e traz instabilidade aos regimes presidenciais sul-americanos. De fato, o padrão histórico ensina que as quedas de presidentes na região estão sempre associadas à ocorrência simultânea de aumento do desemprego e escândalos de corrupção[9]. Ou seja, as oscilações econômicas levam a crises políticas e ao que Campello chama de “maldição da volatilidade”.

Por outro lado, são nas fases desfavoráveis que as restrições econômicas limitam as opções do executivo, impõe ajustes e incentivam projetos mais pragmáticos que ideológicos, movendo o pêndulo em direção a gestões mais responsáveis. A literatura mostra que as crises estimulam as reformas ao fazer com que os custos sociais do desemprego se elevem a ponto de a maioria da população, normalmente silenciosa, ficar intolerante com privilégios e passar a demandar mudanças urgentes[10].

Curioso que todos estes elementos estiveram presentes no último ciclo, que se iniciou nos anos 2000 e está em sua parte final. A alta de preços de commodities possibilitou longos mandatos e incentivou o populismo e a corrupção. Com o consequente aumento da inflação e do desemprego, a tensão social conduziu a alternâncias políticas radicais e à reorientação da estratégia econômica, estimulando Executivo e Congresso a desenhar e apoiar reformas.

Mais importante, a tese de Campello traz instrumentos para antecipar estes movimentos e, ao mesmo tempo, permite relacionar temas como ciclo econômico, qualidade da competição eleitoral, escolhas de políticas e governabilidade.

A partir desta avaliação, uma leitura possível para o momento atual é a de que um quadro global não exuberante, com preços de commodities estáveis e juros internacionais em patamares historicamente baixos, limita os ganhos de popularidade do presidente no curto prazo e mantém os ruídos elevados. Por outro lado, incentiva a responsabilidade e a continuidade das reformas, o que favorece o crescimento e reduz gradualmente o desconforto social e as chances de uma nova crise de governabilidade.

Ou seja, apesar das incertezas e vulnerabilidades de curto prazo, há uma chance que o cenário político à frente seja mais estável que o observado nos últimos seis anos e ajude a consolidar a retomada econômica em curso.

[1] Uma referência normalmente utilizada é o índice de desconforto econômico proposto por Arthur Okun em 1971, uma combinação de dados de inflação e desemprego.

[2] Kramer, Gerald H. “Short-term fluctuations in US voting behavior, 1896-1964”, American Political Science Review, 1971.

[3] O modelo do presidencialismo de coalizão é uma boa referência: Abranches, Sérgio. “Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro”, revista Dados, vol. 31, 1988; “Os ciclos do presidencialismo de coalizão”, www.ecopolitica.com.br, março/2014; “Presidencialismo de Coalizão”, Cia das Letras, 2018.

[4] Campello, Daniela; Zucco, Cesar Jr. “Presidential success and the world economy”, The Journal of Politics, 78, Dec/2015.

[5] É possível que a propaganda política, as dificuldades de acesso à informação, a tendência de valorização dos eventos locais e as preferências passionais (afeto) geradas pelas próprias oscilações econômicas prejudiquem ainda mais o entendimento das causas da volatilidade.

[6] Os preços de commodities tem peso elevado para explicar o comportamento do PIB no Brasil. Campello mostra que os países sul-americanos se conectam à economia global de modo diferente que México e os demais emergentes na América Central, Ásia e África, em grande medida devido à ligação comercial com a China e à baixa poupança interna.

[7] Garman, C. e Sankaran, K. “Anti-incumbent wave is poised to spread”, Global Strategy, Eurasia Group, Nov/2015.

[8] Dornbusch, R., Edwards, S.. “Macroeconomic populism in Latin America”, NBER, May/1989; “The macroeconomics of populism in Latin America”, The University of Chicago Press, 1991.

[9] Hochstetler, K.. “Repensando o presidencialismo: contestações e quedas de presidentes na América do Sul”, Lua Nova, 2007; e Carlin, R. E, Love, G. J., Martínez-Gallardo, C. “Cushioning the fall: scandals, economic conditions and executive approval”. Political Behavior, 37, 2015.

[10] Drazen, A., Alesina, A. “Why are stabilizations delayed?”, NBER, Aug/1989; e Drazen, A., Grilli, V., “The benefits of crises for economic reforms”, NBER, working paper 3527, Dec/1990.

Foto: Roberto Stuckert/PR/divulgação

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