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Crédito sob pressão

Expansão fiscal e risco corporativo colocam mais pressão no custo de crédito, indicando menor espaço para o crescimento de novas linhas para empresas e famílias.

O mercado de crédito deverá ser um vetor importante de desaceleração da atividade econômica em 2023. Vários fatores pressionam o custo do dinheiro e, deste modo, a oferta e a demanda por novas linhas de financiamento.

O primeiro fator, e mais óbvio, é o aperto monetário dos últimos trimestres. A alta da taxa de juros observada entre o primeiro trimestre de 2021 e o terceiro de 2022 vem produzindo os impactos esperados. Os dados do Banco Central (BC) até novembro mostram que depois do aumento no endividamento das famílias no segundo semestre de 2020, reagindo aos estímulos de política fiscal e monetária, a alta da inflação e dos juros em 2021 levou a um maior comprometimento de renda das famílias e à inadimplência a partir do segundo semestre de 2021.

Este movimento ainda não se esgotou. O repasse do aumento da taxa básica de juros ao tomador final vem ocorrendo, ainda que em ritmos diferentes entre as modalidades de crédito. Com isso, o comprometimento de renda mantém tendência de alta apesar de sinais de estabilidade do endividamento, pressionando a inadimplência e trazendo acomodação na concessão em termos reais.

No caso das empresas, a alta na inadimplência tem sido mais lenta e suave, com os primeiros sinais sendo observados apenas a partir de meados de 2022. Os casos de pedido de recuperação judicial, da mesma forma, ficaram estáveis nos dois últimos anos. Este melhor desempenho se deve ao fato de as empresas terem conseguido repassar custos e preservar as margens de lucros, fazendo com que a oferta de crédito corporativo continuasse elevada e a competição entre os bancos atrasasse o repasse dos juros básicos ao tomador final. Mesmo assim, o ritmo de concessão para as empresas já mudou no segundo semestre de 2022, interrompendo a alta observada a partir do início de 2021.

O que preocupa, no entanto, é que o esfriamento do mercado de crédito tende a ser reforçado por novos fatores, como a expansão fiscal, que dificulta a ancoragem das expectativas de inflação e pressiona o custo do dinheiro, e o aumento do risco corporativo local, com casos importantes de recuperação judicial.

De fato, a política fiscal é uma fonte adicional de pressão no crédito. Estímulos fiscais normalmente funcionam bem em uma economia com ociosidade, juros reduzidos e baixo endividamento. Não é o caso da economia brasileira, com núcleos de inflação atipicamente acima dos índices cheios. Enquanto o IPCA encerrou 2022 em 5,8%, a média dos núcleos mostra altas de preços no patamar de 9,0%, indicando o tamanho do desafio do BC. Tudo indica que o teto do intervalo da meta não será respeitado pelo terceiro ano consecutivo.

Neste ambiente, os estímulos fiscais dificultam a vida da autoridade monetária por meio de vários canais. O primeiro é o da demanda, mantendo espaço para repasse de custos das empresas. O segundo canal é a piora do risco soberano gerado pelo crescimento do endividamento público em um contexto de dívida cara, elevada e acompanhado pela piora do risco global. As consequências são impactos nos fluxos de capitais, câmbio e custo das empresas, dificultando a queda da inflação.

Não será uma surpresa que o debate sobre a revisão das metas ganhe força, atrapalhando a capacidade de o BC ancorar as expectativas. Ao mesmo tempo, vale lembrar que a expansão fiscal irá ocorrer, pela primeira vez, com um banco central formalmente independente. Mesmo que haja uma tendência de indicar uma diretoria mais alinhada com o governo, este processo não é imediato e encontrará muita resistência para que a autoridade monetária seja tolerante com a alta dos preços.

Na prática, isso significa que o ajuste da economia não irá ocorrer por meio da inflação, como observado na experiência de 2006 a 2014, mas sim pela alta da taxa de juros e encarecimento do crédito. É provável que os principais temas econômicos ao longo dos próximos anos sejam, além da trajetória de aumento da dívida pública, os atritos crescentes entre a área política do governo e o BC. Somados, o combate da inflação gerada pela pandemia e pela expansão fiscal conduzem a uma piora nas condições financeiras, o que se reflete no custo de crédito e no menor ritmo de concessão para pessoa física e jurídica.

Por último, o crédito deve ser pressionando também pelo crescimento da aversão a risco no mercado local, fruto da continuidade de alta da inadimplência e do aumento dos casos de recuperação judicial, como observado nos últimos dias. A tendência é que haja aumento dos spreads e maior cautela na demanda e na oferta de novas linhas bancárias. Da mesma forma, este ambiente sugere investidores mais cautelosos, elevando igualmente o custo no mercado de capitais.

A expansão fiscal e o risco de crédito, portanto, são preocupações adicionais que apontam para a continuidade do aumento no custo e redução de novos financiamentos, reforçando a desaceleração já em curso na economia.

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