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Corrupção virou negócio de alto risco

Maio/17 - As investigações em curso são frutos de avanços institucionais importantes e ajudam a reduzir a sensação de impunidade no futuro

As investigações em curso são frutos de avanços institucionais importantes e ajudam a reduzir a sensação de impunidade no futuro

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Manifestantes a favor da Lava Jato e contra as decisões do ministro Gilmar Mendes protestam com bonecos e velas em frente ao STF, em Brasília, em maio de 2017 (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil/Creative Commons)

Manifestantes a favor da Lava Jato e contra as decisões do ministro Gilmar Mendes protestam com bonecos e velas em frente ao STF, em Brasília, em maio de 2017

Os escândalos de corrupção impressionam por diversos fatores. Além da profunda desorganização do sistema político e econômico, as investigações mostram magnitudes e extensão inacreditáveis, envolvendo tanto o setor público quanto grandes empresas do setor privado. É bem provável que os desvios já fizessem parte da rotina de empresários e políticos.

Este ambiente gera algum ceticismo com o País e produz diagnósticos diversos. Para muitos, o País vive uma crise moral e ética, e os escândalos sequenciais seriam fruto de nossas raízes culturais, marcada por pequenos subornos cotidianos e que dificilmente poderiam mudar. Da mesma forma, as revelações seriam episódicas, geradas por um esforço particular e acidental de uma equipe isolada de procuradores. Assim como no caso italiano, o retrocesso seria inevitável e tudo acabaria sem maiores punições, com a sociedade mantendo-se vulnerável a novos esquemas de corrupção no futuro. Para outros, opostamente, as conexões internacionais seriam evidências de que as investigações seriam fruto de conspirações interessadas na riqueza de nossas commodities.

Mas talvez possa ser interessante pensar que os escândalos refletem uma mudança importante no Brasil. Há hoje novos mecanismos de investigação e incentivos para maior controle da corrupção. Esta história não é apenas local e pode ter começado no âmbito internacional. O processo de controle de crimes financeiros teve início nos anos 2000, depois dos atentados terroristas de 2001 e da crise financeira de 2008 nos Estados Unidos. Procurou-se sufocar financeiramente o terrorismo e o crime organizado em um momento em que a sociedade exigia maior controle das instituições financeiras.

Este espírito de época se manifestou no Brasil por sermos signatários de convenções internacionais e por haver hoje maior cruzamento eletrônico de dados financeiros e fiscais, permitindo rastrear rapidamente movimentações suspeitas. Na mesma linha, há maior integração entre diferentes órgãos internos de controle.

Um grupo de servidores púbicos graduados de mais de 50 entidades, órgãos públicos e associações profissionais, estabeleceu há mais de uma década uma rede significativa de contatos. Com a maior coordenação e troca de informações, criou-se uma agenda de aperfeiçoamento de regras e controles, além de permitir instruções mais sólidas dos processos. Mais importante, a capilaridade e informalidade desta rede faz com que dificilmente estes profissionais possam ser cooptados ou politicamente controlados.(1)

A experiência internacional também foi uma referência. O fracasso da operação “Mãos Limpas” na Itália trouxe aprendizados importantes. Inspirou, por exemplo, o uso de delações premiadas para romper o pacto de silêncio dos envolvidos nos esquemas de corrupção, que dificilmente poderiam ser desvendados sem a colaboração dos envolvidos. A experiência também ensinou que evitar prisões massivas de políticos e empresários ao mesmo tempo em que se aumenta a publicidade dos processos são cuidados importantes para se conquistar o apoio da opinião pública, ajudando a blindar as investigações contra os ataques e pressões dos investigados.

NOVA GERAÇÃO

Diante deste quadro, o comportamento dos agentes mudou. O reconhecimento e a valorização social no combate intransigente da corrupção são um incentivo para uma nova geração de juízes. Da mesma forma, a simbologia da prisão de políticos, executivos e empresários faz com que os processos sejam pedagógicos, inibindo a corrupção de modo prolongado ao influenciar o comportamento da sociedade como um todo. Quando o risco da punição aumenta, o comportamento dos agentes tende a se aproximar daquele indicado pelos padrões éticos e legais de uma sociedade.

Esta regra, derivada dos estudos da economia comportamental, pode ser aplicada não apenas aos políticos interessados nos financiamentos de campanhas e em benefícios pessoais, mas também às grandes empresas, nacionais e estrangeiras. Infelizmente, os avanços na governança corporativa não foram suficientes para coibir condutas inadequadas.

Boas práticas, controles, políticas de conformidade e normas de conduta não impediram que grandes corporações, controladoras de setores de atividade relevantes e detentoras de recursos financeiros expressivos, influenciassem o desenho e a escolha de políticas públicas, como as decisões de proteção de mercado, subsídios tributários, incentivos fiscais e acesso seletivo ao crédito público (2). Neste caso, o risco de novos esquemas serem descobertos e punidos, destruindo a imagem e reputação das empresas, tem alterado de modo mais efetivo a prática de se fazer negócios.

Contribui para o fortalecimento deste novo ambiente institucional o próximo ciclo de crescimento global. Com menor exuberância nos preços de commodities, dificilmente os mercados emergentes irão experimentar longos ciclos econômicos e políticos, condição ideal para o aparecimento de políticas populistas, retrocessos institucionais e corrupção.

Mais importante, o ciclo econômico, a amplitude internacional do combate à corrupção, o apoio popular e a complexidade dos controles internos fazem com que a probabilidade de retrocesso institucional seja baixa.

A sociedade brasileira, portanto, mostrou-se capaz de avançar na investigação e punição dos desvios dos recursos públicos. Controle e punição, por sua vez, são a chave para que a cultura da corrupção deixe de ser vista como algo inevitável e inerente ao brasileiro, reduzindo os danos dos próximos ciclos populistas.

 

 (1) Barbieri, C, R. “Revista Época Negócios”; nov/14

(2) Admati, A. R. “Financialization and the Political Economy of Corporations”; Stanford University, Jan/2017

 

Foto: Creative Commons/Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

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