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Cenários não são binários

A eleição deste ano não será uma escolha entre governos reformistas ou não reformistas. O risco principal é avançar pouco, gerando um ambiente de mediocridade econômica e política no médio prazo

Ao contrário das avaliações mais otimistas, a previsibilidade eleitoral é baixa e eleva o risco político. Isso não significa, no entanto, que estamos diante de uma encruzilhada entre opções reformistas ou não reformistas. De uma forma ou de outra, algumas reformas mais urgentes deverão avançar e nosso maior risco está em caminharmos para um cenário econômico medíocre à frente.

A atual corrida eleitoral é atípica. A tensão social gerada pelo baixo crescimento, escândalos de corrupção e colapso nos serviços públicos eleva a demanda por discursos populistas e extremistas, ao mesmo tempo em que reduz a competitividade das posições de centro, mais racionais e ponderadas. Isso faz com que a mensagem política possa ter mais peso que as estruturas partidárias, tornando o quadro político incerto.

O problema é que a probabilidade de vitória de um governo populista reforça a leitura de que esta eleição poderá produzir um cenário binário, levando ou a um governo reformista, capaz de reequilibrar as contas públicas e elevar a produtividade, ou a um não reformista, cuja ação poderá abortar a retomada econômica e aprofundar a crise política, mantendo a possibilidade de um novo impeachment presidencial.

Estas avaliações, no entanto, parecem exageradas. O cenário dificilmente será binário e é provável um quadro intermediário, em que o próximo governo avance, pelo menos, em algumas reformas mais urgentes.

A experiência internacional e o caso brasileiro recente têm confirmado a tese de que as reformas avançam quando o custo de não ajustar a economia é mais elevado que o de ajustar[1]. A reorientação da agenda econômica em 2015 e o avanço das reformas a partir de 2016, por exemplo, refletem menos a convicção ideológica em determinadas agendas e mais a necessidade de superar a crise econômica e política, atendendo a uma demanda por mudanças da sociedade.

Esta lógica continua valendo neste momento de elevado desconforto social. Caso a reforma da previdência não seja feita, por exemplo, o ajuste das despesas públicas fica inviável, pressiona a trajetória da dívida e dificulta a ancoragem fiscal. Como resultado, teríamos um ambiente de menor confiança e pressão em câmbio, inflação e juros, o que compromete a continuidade da retomada econômica, fragiliza ainda mais a situação fiscal e corrói o capital político do novo governo.

Abandonar a agenda de reformas, portanto, não é alternativa. É curioso que mesmo com tantos incentivos para discursos políticos populistas, há pouco espaço para populismo na gestão da economia.

Talvez por isso, o discurso eleitoral das candidaturas mais competitivas esteja mostrando convergência nos temas econômicos. Ainda que em graus e ênfases diferentes, há a defesa da reforma do Estado e da responsabilidade econômica. Ao contrário do que se poderia supor para uma eleição emocionalmente tensa, temas polêmicos como privatização, reforma da previdência, corte de gastos e aumento de impostos não vêm sendo evitados. São tratados abertamente e ajudam a amadurecer a ideia em torno das reformas.

Não menos importante, historicamente as eleições fazem com que os inícios de novos mandatos presidenciais sejam marcados por elevados índices de popularidade, mostrando um descolamento temporário entre avaliação de governo e economia, variáveis estatisticamente correlacionadas. Com capital político elevado, o próximo presidente terá mais facilidade em atrair apoios para a agenda do governo[2].

Mas o incentivo para reformas não significa que as opções políticas sejam equivalentes e neutras para a economia no médio prazo. Governos com menor capacidade de formar equipes ou de construir e manter alianças políticas podem atrapalhar o ritmo, a qualidade e a quantidade de reformas, reduzindo o crescimento potencial e levando a um cenário de mediocridade econômica e política nos próximos anos.

Isso porque a demanda por mudanças é algo difuso e o Congresso não lidera agendas, o que faz com que o executivo seja o responsável por pautar o Congresso. Neste caso, a qualidade da equipe faz diferença, uma vez que é preciso competência para fazer diagnósticos corretos, definir prioridades e desenhar políticas.

Além disso, a capacidade de estabelecer coalizões políticas estáveis será fundamental para que uma agenda que reduza o tamanho do Estado e eleve a produtividade da economia possa avançar. Diferentemente da experiência de 2002, apenas nomear um time com credibilidade para conduzir uma gestão econômica responsável não será mais suficiente. O desafio desde 2015 tem sido reformar o Estado, tema complexo e polêmico.

Portanto, dificilmente as eleições deste ano irão representar uma ruptura. Os incentivos estão alinhados para que as reformas mais urgentes sejam feitas no início do próximo mandato. Nosso risco está em avançarmos pouco, gerando um cenário medíocre no médio prazo.

 

[1] Alesina, A., Ardagna, S., Trebbi, F.. “Who adjusts and when? On the political Economy of reforms”. NBER, working paper, Feb/2006.

[2] Abranches, S. “Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro”, revista Dados, vol. 31, 1988; e “Os ciclos do presidencialismo de coalizão”, mar/2014.

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