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Causalidade invertida

A expectativa de recessão nos Estados Unidos é um sinal de juros globais mais elevados, e não de alívio monetário. O FED não precisa evitar, mas sim garantir a desaceleração da economia.

Passadas duas décadas com inflação em queda nos Estados Unidos, estimar a reação do Federal Reserve ao atual choque inflacionário tem sido um desafio. Neste momento, prevalece o entendimento entre os investidores de que o risco de uma recessão possa inibir juros mais elevados. O cálculo, no entanto, pode ser inverso, com altas mais importantes da taxa básica sendo necessárias para gerar um desaquecimento e, com isso, controlar os preços.

Uma forma de antecipar a reação do Federal Reserve aos cenários é a conhecida regra de Taylor, segundo a qual os bancos centrais calibram a taxa básica em função dos juros neutros e dos desvios de crescimento e inflação. Em situações como a atual, em que a inflação oscila em patamares mais elevados que a meta e o PIB opera acima de seu potencial, seria razoável supor que os juros deveriam também estar acima de seu nível de equilíbrio de longo prazo.

A intensidade desta alta, no entanto, é uma dúvida. O movimento recente dos mercados indica que os investidores não acreditam em elevações muito significativas dos juros básicos. De fato, os juros de 10 anos têm oscilado ao redor de 3,0%, sugerindo uma taxa levemente acima do equilíbrio.

A favor desta leitura há o argumento de que os juros neutros são mais baixos hoje e, por isso, seria preciso um menor esforço monetário para desacelerar a atividade e controlar a inflação. A reação do Federal Reserve às últimas experiências de pleno emprego, quando o desemprego rodou próximo a 4,0%, reforça esta tese. Enquanto em 1999 a taxa básica alcançou 6,5%, houve menor necessidade de aperto em 2005, com os juros subindo para 5,25%. No último ciclo de alta, em 2017, a taxa básica subiu ainda menos, para 2,25%.

Além disso, o mercado imobiliário e os indicadores que antecipam o comportamento do PIB já mostram perda de fôlego. Essa acomodação da atividade vem na esteira da perda de renda e riqueza na economia. Não apenas a inflação reduz o poder de consumo da população, mas a deterioração das condições financeiras, como mostra a queda das bolsas, leva à destruição de riqueza.

O grande problema, no entanto, está na magnitude do desvio de inflação. O ajuste já em curso no crescimento não parece suficiente para controlar a complicada situação dos preços. Enquanto em 2000 a inflação ao consumidor oscilou ao redor de 3,5%, o patamar de 2005 foi de 4,0% e de 2,5% em 2017. Neste momento, o CPI se aproxima de 9,0%, nível mais elevado em 40 anos. Não há precedente recente de como o banco central reage a um desvio tão relevante da inflação.

Além dos níveis inflacionários, as incertezas seguem elevadas. Os desequilíbrios na logística e nas cadeias de produção persistem e a inflação se mostra disseminada, fazendo com que seu controle não dependa apenas da dissipação dos choques de oferta, mas também de um forte ajuste da demanda.

Dados o tamanho dos desvios de crescimento e inflação, é natural que o foco do banco central recaia sobre o controle dos preços. O tema precisa ser enfrentado de modo inequívoco para que as expectativas de longo prazo não sejam contaminadas e reduzam a credibilidade do banco central, o que poderia elevar o custo da desinflação [1]

Com pressão adicional para mais juros, faz sentido supor que além dos impactos na renda e na riqueza, o crédito deverá desacelerar mais a economia. Ao mesmo tempo, a redução do balanço do Federal Reserve deverá produzir impactos nos mercados de títulos, pressionando as taxas de mercado. Ou seja, tudo indica que o desaquecimento da atividade deverá ser ainda maior.

A desaceleração econômica ou uma eventual recessão seriam, neste caso, produtos de uma ação do banco central para controlar a inflação. Não elevar os juros por conta do risco de um esfriamento da atividade implica menor eficiência no combate à alta de preços, o que não parece fazer sentido diante da atual gravidade do quadro inflacionário.

Isso significa que na atípica situação atual, o banco central precisa garantir uma desaceleração, e não evitar. O risco de uma recessão seria sinal de juros mais elevados, e não um motivo para alívio monetário, o que sugere que os investidores possam estar trabalhando com uma causalidade inversa.

Há, com isso, duas más notícias à frente. A primeira é que o banco central norte-americano deverá subir a taxa de juros mais do que esperado hoje pelo mercado. O segundo problema é que esta retirada de estímulos irá reforçar, e não atenuar, a desaceleração já em curso na economia mundial.

 

[1] Mester, L. J., “The Role of Inflation Expectations in Monetary Policymaking: A Practitioner’s Perspective”, in “European Central Bank Forum on Central Banking: Challenges for Monetary Policy in a Rapidly Changing World”, Portugal, June, 2022.

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