Aumento de risco e menor diferencial de juros reduzem as chances de uma tendência de apreciação cambial.
Roberto Padovani
19 março 2024
O otimismo em relação ao corte de juros internacionais ao longo de 2023 se traduziu em um movimento de apreciação cambial no Brasil. Depois de oscilar ao redor de R$ 5,20 em 2022, a moeda se apreciou no segundo trimestre de 2023, chegando a alcançar o patamar de R$ 4,70.
Desde meados de 2023, no entanto, o câmbio oscila ao redor de R$ 4,90, não mostrando tendência de apreciação. Considerando o padrão observado ao longo do regime de câmbio flutuante no Brasil nos últimos 25 anos, risco externo e doméstico, preços de commodities e, principalmente, diferencial de juros explicam o desempenho da moeda brasileira.
Estas variáveis, os chamados fundamentos, sugerem uma trajetória de desvalorização cambial. No cenário externo, o risco de uma inflação resistente nos Estados Unidos e de menor espaço para corte dos juros elevam a cautela com o crescimento. Este movimento é reforçado pelas preocupações com a desaceleração na Europa e na China, o que é compatível com o canal de baixa dos preços de commodities.
Historicamente, momentos de menor crescimento global implicam menor atratividade dos mercados emergentes aos fluxos de capitais. É o que se observa no Brasil. Desde o início de 2022, há uma clara tendência de saídas financeiras, a despeito do bom desempenho da balança comercial.
Dois fatores locais devem reforçar este movimento global. O primeiro é fiscal. Mesmo que haja consenso de que o governo não irá alcançar a meta de equilíbrio em suas contas proposta para este ano, o ciclo eleitoral, em um ambiente polarizado e competitivo, é um incentivo para mais gasto público.
Contribui para isso a atual leniência dos mercados. Com bons resultados em crescimento e contas externas, a economia brasileira se mostra relativamente mais robusta que outros mercados. Neste ambiente, o tema fiscal não é visto com preocupação. Pelo contrário, os números indicam uma situação mais confortável que a de outras economias. Este quadro implica poucos constrangimentos para a manutenção dos estímulos de política, o que pode recolocar o tema no radar dos investidores.
Por último, a expectativa é que os juros continuem caindo no Brasil. Mesmo em um ambiente mais ruidoso, há espaço para que o Banco Central siga calibrando os juros nominais, ainda muito altos em relação aos atuais patamares de inflação.
Com riscos em alta e retorno em baixa, é natural que os fluxos financeiros mantenham tendência de queda e produzam expectativas menos favoráveis para o câmbio. Neste caso, os 2
exportadores seriam incentivados a adiar o fechamento dos contratos cambiais e os importadores a antecipar suas decisões.
A piora dos saldos de câmbio contratado e a redução nos ingressos de capitais tem sido um movimento claro após a pandemia e ganhou fôlego em 2023, com o volume de câmbio contratado oscilando abaixo da movimentação física. Justamente por isso, a melhoria expressiva na balança comercial não tem sido acompanhada por mais ingressos de capitais e apreciação cambial.
Interessante notar, no entanto, que ao longo dos últimos meses a moeda brasileira tem oscilado em patamares mais apreciados que os sugeridos pelos fundamentos e pelo desempenho das principais moedas emergentes.
Como as causas deste descolamento não são claras, o comportamento do mercado nos últimos meses pesa no desenho dos cenários. A mediana das projeções para o câmbio de final de ano, coletadas pelo Banco Central, mostra relativa estabilidade.
Combinando fundamentos, riscos e o desempenho recente de mercado, o cenário mais provável parece ser o de não haver espaço para uma tendência de apreciação cambial.