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 Câmbio: fundamentos pioraram 

O espaço para apreciação cambial se reduziu com a alta dos juros internacionais e a queda dos preços de commodities. 
variação cambial

Roberto Padovani
30 maio 2023 

 Há consenso entre economistas que o câmbio operou descolado dos chamados fundamentos e do comportamento médio de outras moedas emergentes (1) durante boa parte da pandemia. Justamente por isso, sempre existe a expectativa de que, em algum momento, a moeda possa convergir para patamares significativamente mais apreciados. 

Foi esta a leitura em meados de 2021 e 2022, quando a cotação do dólar rompeu o patamar de R$ 5,00. Neste ano, novamente, a moeda testa níveis abaixo de 5,00 desde abril, tendência que poderia ser reforçada com uma eventual aprovação da reforma tributária. 

O que se nota, no entanto, é que o mercado cambial não parece ter muita força. A moeda tem oscilado ao redor de R$ 5,00 e, por isso, a apreciação recente tem influenciado apenas moderadamente as expectativas (2). A mediana das projeções coletadas pelo Banco Central indica patamares entre R$ 5,10 e R$ 5,30 até 2027. Ou seja, mercados e economistas parecem não acreditar muito na continuidade da queda do dólar. 

É conhecida a dificuldade de se antecipar os movimentos de curto prazo de variáveis financeiras como o câmbio. No entanto, a experiência brasileira de mais de duas décadas de câmbio flutuante já acumula informações e aprendizados suficientes para que a dinâmica cambial seja entendida. Historicamente, as variáveis mais importantes para explicar o comportamento do câmbio são, por ordem de importância, o diferencial de juros, os preços de commodities, o risco soberano e o dólar global. 

O desafio está em construir hipóteses para cada uma destas variáveis. Por sorte, a direção das duas principais variáveis explicativas é mais clara hoje. No caso do diferencial de juros, faz sentido que a tendência continue sendo de queda. Independentemente se o Federal Reserve continuar ou não o processo de alta, a expectativa é que o banco central brasileiro comece a cortar juros no segundo semestre deste ano e diminua ainda mais a diferença entre juros externos e internos, movimento iniciado em meados de 2022 com o início do ciclo de aperto monetário pelo banco central norte-americano. 

Acompanhando a alta de juros nos Estados Unidos, os preços de commodities também mostraram reversão a partir do segundo trimestre do ano passado e, com a desaceleração global em curso (3), dificilmente irão mudar de tendência. 

O dólar global, da mesma forma, mostra fragilidade. A continuidade da alta de juros na Europa, reduzindo o diferencial de juros a favor dos Estados Unidos, mostra que o terceiro ciclo de fortalecimento do dólar em 40 anos pode estar próximo ao fim. Este movimento pode estar sendo reforçado pelo debate sobre a hegemonia global da moeda norte-americana, ainda que não haja boas alternativas de curto prazo ao dólar como reserva de valor global (4). 

Por último, uma eventual piora do risco global e local não ajuda a moeda. Como os fluxos de capital costumam ser pró-cíclicos, a desaceleração global tende a afetar negativamente os ingressos de recursos. De fato, a correlação negativa entre a cesta de commodities e risco soberano ajuda a explicar a piora nos fluxos financeiros a partir do final de 2021. 

Este movimento tende a ser reforçado por dois outros fatores. Tanto as incertezas fiscais e políticas domésticas podem atrapalhar a atração de capitais externos, quanto uma piora das expectativas para o câmbio são um incentivo para que exportadores posterguem seus fechamentos cambiais e importadores antecipem os movimentos, piorando o fluxo financeiro (5). 

A cautela de economistas e mercado, portanto, faz sentido. Assim como ocorreu em 2022, os movimentos internacionais nos juros e nas commodities podem novamente frustrar um cenário de rápida correção da moeda brasileira. 

 

 1 Foram considerados 21 países emergentes, excluindo-se Turquia e Argentina. O descolamento se observa mesmo quando se consideram apenas as principais moedas latino-americanas. Interessante notar também que os fluxos financeiros (câmbio contratado) ficaram atipicamente descolados dos saldos comerciais (movimento físico). 

2 A experiência de câmbio flutuante no Brasil mostra que a cotação no mercado à vista costuma guiar as expectativas para fechamento de ano.

3 Desde abril deste ano há maior frustração com o crescimento global. Não apenas os indicadores mostram maior fragilidade na Europa e nos Estados Unidos, mas há mais cautela com a retomada na China. A combinação de pandemia, problemas no mercado imobiliário, menor oferta de mão de obra, tensões geopolíticas e sanções econômicas reduzem o fôlego da demanda chinesa. 

4 Historicamente, os preços de commodities mostram correlação negativa com o dólar global em função de as commodities se comportarem como ativos financeiros. Em momentos de alta de juros, a tendência é de valorização do dólar e desvalorização da cesta de commodities. Após a pandemia, no entanto, dólar e commodities passaram a se movimentar na mesma direção, talvez pelo impacto do aumento de preços de commodities na inflação global e nas estratégias de política monetária. Neste caso, a queda nos preços de matérias primas pode reforçar a fragilidade da moeda norte-americana. 

5 O impacto do ciclo global também deverá ser percebido no comportamento da taxa efetiva real. Um quadro menos favorável para preços de commodities, fluxos de capitais e balanço de pagamentos tende a interromper a trajetória de convergência em direção à média histórica iniciada em 2021.  

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