BC reage à piora das expectativas de inflação. A reancoragem parcial, no entanto, pode permitir a volta do afrouxamento na próxima gestão.
Roberto Padovani
14 de maio 2024
A piora nas expectativas de inflação para 2025 justificou uma nova estratégia para a condução da política monetária.
O risco inflacionário já indicava cautela há algum tempo. As dúvidas sobre o processo de desinflação nos Estados Unidos, associadas a um quadro local de expansão fiscal e baixo desemprego, implicam câmbio mais depreciado, expansão da renda, pressão sobre a inflação de serviços e, com isso, uma convergência mais lenta da inflação.
Neste caso, havia relativo consenso de que à medida que a taxa básica se aproximasse da taxa terminal, a cautela deveria ser crescente e o ritmo de corte dos juros poderia ser naturalmente reduzido.
O que agravou este cenário foram as instabilidades globais de meados de abril. A leitura de uma combinação de alta de preços de petróleo, juros internacionais mais elevados, pressão cambial e incertezas fiscais domésticas fez com que a mediana das expectativas de inflação para 2024 e, principalmente, 2025 piorassem. Enquanto no início de abril a mediana das projeções estava, respectivamente, em 3,75% e 3,52%, os últimos números subiram para 3,76% e 3,66%.
O BC reagiu a este quadro de divergência das expectativas de inflação, abandonando o forward guidance e optando pela maior flexibilização na condução de política. É possível que esta postura seja explicada também pela transição no comando do BC, com a gestão procurando ancorar as expectativas e atenuar os impactos de eventuais mudanças nas preferências da próxima diretoria.
Como resultado, houve uma guinada na comunicação e nas expectativas dos analistas. Segundo os dados coletados pelo BC, a mediana das projeções para a taxa básica para final de 2024 saiu de 9,0% no início de abril para 9,75% no último dado. Em apenas um mês, analistas e investidores anteciparam o fim ciclo de afrouxamento.
O que chama atenção, no entanto, é que não se confirmou um quadro de deterioração econômica. Externamente, houve recuo dos preços de petróleo e dos juros internacionais. Internamente, o câmbio mostrou acomodação, as projeções fiscais não apresentaram piora adicional, os números de crescimento não se alteraram de modo importante e não houve motivos para uma mudança do cenário para os juros de equilíbrio.
O IPCA de abril, da mesma forma, trouxe poucas novidades, seguindo sua convergência gradual. Até o momento, os choques de oferta gerados pela tragédia no Rio Grande do Sul estão sendo vistos como moderados e temporários.
Uma forma de compatibilizar as preocupações de mercado após abril, a reação mais conservadora do BC e mudanças apenas moderadas no quadro econômico é entender que o ciclo de afrouxamento caminha para uma pausa, e não para o encerramento.
Com a eventual superação de parte das incertezas globais, dissipação de choques e sem uma crise fiscal de curto prazo que altere de modo mais significativo o cenário, as expectativas podem ter uma reancoragem parcial. Por um lado, há um BC mais cauteloso contribuindo para a volta das expectativas. Por outro, a pressão política por mais estímulos fiscais e monetários impede a convergência para o centro da meta.
Neste caso, é possível que o BC esteja preparando terreno para que a próxima gestão retome o ciclo de afrouxamento. De algum modo, a mediana das projeções reflete este quadro. Ao mesmo tempo em que os analistas revisaram para cima a taxa terminal neste ano, a leitura para corte de juros em 2025 continua. A mediana das expectativas de Selic para 2025 saiu de 8,5% para 9,0%.
Tudo considerado, a atual cautela pode ser lida como uma pausa no processo de afrouxamento monetário.