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As dúvidas sobre o FED

Set/17 - A redução do balanço do banco central norte-americano pode não ser neutra para os mercados emergentes

A redução do balanço do banco central norte-americano pode não ser neutra para os mercados emergentes

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FED de Atlanta: dúvida está no ritmo da normalização da política monetária (Foto: Donielle/Creative Commons)

Existem poucas dúvidas sobre a necessidade de se reduzir os estímulos monetários nos Estados Unidos. Mas chama atenção a continuidade da divergência de avaliação entre FED e mercado sobre o ritmo de normalização da política, o que pode ser uma fonte importante de risco.

Por um lado, há consenso que a intensidade de estímulos deva ser moderada. Após quase uma década da crise de 2008, o crescimento anual médio próximo a 2% dos últimos anos aproximou a economia norte-americana de seu potencial. Na indústria, a utilização da capacidade instalada oscila ao redor da média das últimas duas décadas e, no comércio, há relativa estabilidade. No mercado de trabalho, o desalento perdeu força e a taxa de desemprego alcança patamares significativamente inferiores à média histórica de 6%.

A dúvida, no entanto, está no ritmo de normalização da política monetária. Para o banco central norte-americano, haveria espaço para os juros caminharem para o patamar de 3%, com altas trimestrais até final de 2019. Diferentemente, no entanto, os juros de 10 anos ao redor de 2,1% refletem a crença dos investidores de que os juros reais possam ficar próximo a zero por mais uma década.

Alguns fatores justificam esta diferença de visão. Para o mercado, o comportamento corrente da inflação seria sinal de uma economia ainda frágil, o que implica um processo mais gradual de alta de juros e uma redução mais lenta do balanço do FED, gerando impactos limitados sobre a oferta monetária e, com isso, sobre os juros de longo prazo e o câmbio.

Além disso, não há clareza sobre o nível de equilíbrio da taxa de juros. Como ela mostra tendência de queda nas últimas décadas, muitos argumentam que a correção necessária nos juros poderia ser bem menor nesse momento. (1) Finalmente, as contínuas mudanças de estratégia do FED no passado recente e a leitura que o balanço de riscos dos bancos centrais é assimétrico, aceitando maiores riscos na inflação que no crescimento, aumentam a confiança do mercado em um ajuste gradual de política.

ALÉM DA INFLAÇÃO.

Mas há também bons argumentos contrários. Um deles é que a inflação pode não ser o único guia para as ações do FED. A elevada correlação entre preços de commodities e preços ao consumidor, mesmo quando se consideram os núcleos, pode fazer com que a queda recente da inflação não seja apenas um reflexo da fragilidade da economia, mas sim um movimento temporário nos preços.

Além disso, o FED optou por iniciar um processo de alta de juros em dezembro de 2015, quando não havia sinais claros de convergência da inflação. Esta estratégia se justifica por uma visão de gestão de risco. Elevar os juros implica resgatar um instrumento importante de política, ao mesmo tempo em que é prudente iniciar uma correção das taxas quando não há pressão inflacionária e os mercados se mostram tranquilos, reduzindo o risco de uma contração mais forte nas condições financeiras.

No que se refere aos juros reais, ainda que esta taxa seja uma variável teórica e não observável, a história mostra que as taxas reais negativas observadas a partir da crise de 2008 talvez não sejam uma boa referência para o longo prazo. As duas últimas experiências de juros baixos trouxeram impactos importantes sobre a economia. Na década de 70, os juros reais próximos a zero geraram uma forte aceleração inflacionária, enquanto nos anos 90 o afrouxamento monetário ajudou a explicar a bolha de crédito na década seguinte.

Finalmente, o processo de redução do balanço do banco central é pouco conhecido. Pelo cronograma já divulgado, é possível que parte relevante da expansão monetária dos últimos nove anos gerado pela compra de cerca de US$ 3,6 trilhões de títulos públicos e privados seja revista em metade do tempo. Neste caso, o aumento da oferta de títulos e a menor demanda por ativos gerada pela queda na liquidez tende a mudar o equilíbrio do mercado de títulos e pressionar a taxa de juros.

Este movimento pode ser potencializado pelos mercados e pela reação dos demais bancos centrais. A percepção da queda de preços de títulos pode fazer com que haja uma antecipação de venda, o que é compatível com as evidências estatísticas que mostram que os mercados de juros antecipam variações na oferta de moeda. Da mesma forma, o FED pode gerar uma corrida de bancos centrais por normalização de política, uma vez que quanto mais apertadas as condições globais de liquidez, maiores as dificuldades em se reduzir os balanços de forma neutra.

Estas dúvidas sobre como interpretar inflação e atividade podem fazer, em algum momento, o mercado reavaliar as atuais certezas sobre ritmo de alta de juros e redução do balanço do FED. Com isso, mesmo que não haja uma relação estatística clara entre contração monetária e fluxos de capitais para os mercados emergentes, a alta dos juros e o fortalecimento do dólar, em um contexto de tensões geopolíticas elevadas e queda de preços de commodities, sugerem cautela com a atual euforia.

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(1) – Laubach, T., Holston, K., Williams, J.C. “Measuring the Natural Rate of Interest: International Trends and Determinants”, Fed San Francisco, working paper 2016-11, Dec/16.

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