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A volta do risco fiscal

Jul/17 - Apesar de a reforma da previdência gerar impactos apenas no médio prazo, seu adiamento eleva os riscos fiscais já no curto prazo

Apesar de a reforma da previdência gerar impactos apenas no médio prazo, seu adiamento eleva os riscos fiscais já no curto prazo

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Ato contra a reforma da Previdência, em março de 2017: apesar de adiadas, mudanças continuam sendo âncoras de expectativa da economia (Foto: Sinpro-DF/Creative Commons)

 

A reação de parte dos investidores à reforma da previdência tem algo de estranho. De uma visão ansiosa sobre a necessidade urgente da reforma, os mercados passaram a dar importância secundária à tramitação no Congresso.

A avaliação mais comum passou a ser de que os impactos da reforma são apenas de longo prazo e, por isso, ela pode ser postergada sem maiores problemas. Neste meio tempo, a gestão econômica de boa qualidade e fundamentos como inflação e contas externas poderiam ser âncoras importantes para o País.

Esta postura complacente parece derivada do ambiente global. O quadro de ampla liquidez tem feito com que as tensões geopolíticas, a desaceleração na China e até mesmo as novas estratégias dos bancos centrais sejam riscos subestimados.

O problema é que mesmo que os preços de ativos financeiros não reflitam preocupações maiores no curto prazo, o ambiente para os mercados emergentes e os fundamentos da economia brasileira estão piorando. Em especial, a situação fiscal doméstica está lentamente voltando ao noticiário.

De fato, e a despeito da avaliação dos investidores, a reforma da previdência continua sendo uma âncora importante para as expectativas. Por ser uma mudança constitucional na estrutura de gastos, a reforma traz confiança no funcionamento do teto de gastos do setor público. Como resultado, o ajuste fiscal pode ser feito gradualmente, à medida que a retomada do crescimento favoreça as receitas do governo e os superávits primários voltem a ser alcançados, estabilizando a dívida em um horizonte relevante de tempo.

Foi o que vimos em 2016. Mesmo com a piora acentuada das contas públicas, o risco soberano caiu pela metade em função da crença de que a dinâmica da dívida poderia ser controlada em algum momento.

Sem a reforma, dificilmente o teto de gastos poderá ser respeitado, o que reduz as garantias que a dívida possa mostrar estabilidade. Com isso, é natural que haja maior interesse na gestão fiscal de curto prazo por refletir a capacidade e a vontade de o governo controlar suas contas. Neste caso, as notícias não parecem boas.

A forte e inesperada contração da atividade econômica a partir de 2014, associada à política de desoneração de impostos, produziu uma queda substancial das receitas ao mesmo tempo em que se processou também em 2014 uma expressiva e pouco transparente expansão fiscal. O resultado foi o colapso das contas públicas e o aumento do passivo fiscal, explicitado nos aumentos substanciais dos déficits em 2015 e 2016.

Do ponto de vistas das despesas, a reorientação da política econômica a partir de 2015 ajudou a se alcançar maior controle. Mas dado o tamanho do Estado e a rigidez do gasto público, a estratégia de ajuste já encontra limites. O espaço para continuar cortando despesas discricionárias é pequeno e o governo terá que avançar na contenção dos gastos obrigatórios. Do lado das receitas, o desafio não é menor. A volta lenta do crescimento tem gerado um desempenho fraco das receitas e dos resultados fiscais.

Para piorar, o ambiente político não ajuda. No curto prazo, pode haver algum relaxamento nos gastos e dificuldades para cortar programas, aumentar impostos ou rever desonerações, que superam hoje impressionantes 4,0% do PIB. Da mesma forma, a maior competitividade e incertezas eleitorais em 2018 não favorecem a retomada econômica, ao mesmo tempo em que poderá haver maiores dúvidas sobre a continuidade da agenda de reformas e sobre a capacidade de o governo respeitar o teto dos gastos, abrindo espaço para um eventual retrocesso institucional.

Por este aspecto, o ajuste das contas públicas passa a ser influenciado por sua própria trajetória. O aumento das incertezas fiscais impacta negativamente a confiança, o crescimento, os preços de ativos e a dinâmica da dívida pública. Incertezas econômicas, por sua vez, alimentam novas dúvidas sobre o ambiente político e a solvência pública, criando uma espiral negativa entre crescimento e situação fiscal.

Com limites para comprimir gastos e restrições políticas e econômicas para elevar a receita, portanto, o adiamento da reforma da previdência reduz a confiança de que a dívida possa se estabilizar ao longo dos próximos anos, fazendo com que o risco fiscal se eleve desde já.

O problema é que em algum momento, como sempre acontece, os mercados podem deixar de ser complacentes e voltar a dar maior peso à realidade dura dos fundamentos.

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