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A fotografia é razoável, mas o filme é ruim

Jun/17 - O impasse político atual reduz as chances de aprovação da reforma da previdência e gera um quadro vulnerável a choques internos e externos

O impasse político atual reduz as chances de aprovação da reforma da previdência e gera um quadro vulnerável a choques internos e externos

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Em maio de 2017, manifestantes protestam contra as reformas da Previdência e trabalhista e por eleições diretas, em movimentações isoladas: ativo político do governo foi consumido por denúncias (Foto: José Cruz/Agência Brasil/Creative Commons)

 

Diferentemente da crise política de 2015, o cenário externo, os fundamentos da economia brasileira e a proximidade das eleições de 2018 permitem uma leitura que a situação política possa se arrastar de forma mais ou menos equilibrada pelos próximos meses.

O problema destes cenários – lame duck ou muddling through – é que a dinâmica econômica indica um quadro crescentemente vulnerável em um ambiente de riscos locais e externos potencialmente elevados. Parece pouco provável que o retrato atual seja uma boa referência para o próximo ano.

O ambiente político tornou-se realmente complexo. Por um lado, não houve um fato inequívoco que levasse a população para a rua e criasse uma alternativa política à crise. Por outro, a agenda negativa de delações e investigações deve continuar pautando a mídia, fazendo o ativo político do governo ser consumido na manutenção de uma governabilidade mínima. Com isso, o governo permanece enfraquecido e mesmo que avance na reforma trabalhista e em outros temas da agenda econômica, parece haver poucas chances de que uma reforma relevante da previdência possa prosperar.

Aqui começam os problemas. Sem a reforma da previdência, as dúvidas sobre a dinâmica de dívida voltam a aumentar, reforçando a leitura de que o país continuará sendo classificado como grau especulativo e, portanto, ainda enfrentando fluxos de capitais irregulares, instáveis e oportunistas. A maior instabilidade cambial, por sua vez, torna o cenário menos previsível e afeta a confiança dos agentes, fazendo com que as decisões de consumir, investir, contratar e conceder crédito sejam postergadas e gerem um viés negativo para o crescimento.

Menos crescimento reforça a fragilidade fiscal. Tanto o governo pode ser tentado a fazer maiores concessões nos gastos, quanto menores receitas dificultam o cumprimento de metas e a viabilidade do teto de gastos em um futuro próximo. Esta dinâmica gera mais dúvidas sobre a trajetória do câmbio e das expectativas de inflação, exatamente como observado no segundo semestre de 2015.

CAUTELA.

Neste ambiente, o espaço para estímulos monetários se reduz. As incertezas crescentes em relação ao regime de política econômica tornam arriscado antecipar um cenário em que os juros neutros já sejam mais baixos, fazendo com que um ciclo de afrouxamento mais agressivo neste momento possa parecer excessivo no futuro.

A cautela do Banco Central, no entanto, representa menor alívio financeiro para o caixa das empresas e mantém a oferta e a demanda por crédito contraídas, o que prolonga a crise financeira. Com uma recuperação econômica mais lenta, o desemprego eleva as tensões sociais e políticas em um ambiente ainda marcado pela continuidade de escândalos. Maiores incertezas políticas realimentam a fragilidade e a vulnerabilidade da economia a choques, formando uma espiral negativa entre economia e política.

O impasse político, portanto, não deverá ser neutro para a dinâmica da economia. Sem uma trajetória clara de estabilização da dívida no médio prazo, a economia brasileira estará vulnerável a choques e crescentemente dependente do humor do investidor internacional.

E há hoje vários gatilhos externos que podem detonar uma crise mais séria. A divergência nas avaliações de mercado e do banco central norte-americano sobre o ritmo de normalização a taxa de juros implica um risco elevado. Da mesma forma, um quadro de menor liquidez pode ocorrer em um momento em que a desaceleração na China continue influenciando negativamente preços de commodities e mercados emergentes. Finalmente, as incertezas geopolíticas parecem ser a norma do atual momento global. Mais importante, estes riscos estão presentes em um ambiente em que a volatilidade global opera em seus níveis mais baixos em quatro décadas.

Imaginar, portanto, que o equilíbrio das últimas semanas possa ser mantido pelos próximos meses, em um ambiente de riscos globais e domésticos crescentes, parece ingênuo. Já vimos este filme antes e parece pouco provável que o final seja bom.

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