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Ajuste moderado no crédito

Diferentemente de outros países, os impactos da alta dos juros sobre o crédito já tiveram início no Brasil. O ajuste neste mercado, no entanto, deverá ser mais suave que nos ciclos anteriores.

As dúvidas políticas e fiscais no Brasil, em um momento em que o mundo entra em uma nova fase do ciclo econômico, reforçam um quadro de desaquecimento e instabilidade financeira. Como os ciclos da economia e do crédito caminham juntos, é natural que as preocupações se ampliem. A boa notícia para o caso brasileiro é que os ajustes no crédito podem ocorrer de modo suave, distante das tensões observadas em 2012 e 2015.

O tema é global. O ciclo econômico no mundo mudou com mais um choque gerado pela pandemia. O aumento da inflação e a reação dos bancos centrais já levam a uma piora da confiança e a quedas na renda e na riqueza. Com a continuidade da alta dos juros e o encarecimento do crédito, o desaquecimento deverá ser ampliado.

No Brasil, os bons números de crescimento do primeiro semestre e os estímulos fiscais do governo não impedem a leitura de que há uma desaceleração contratada à frente. Além do menor impulso externo e da recuperação gradual da renda do trabalho, as restrições monetárias ficaram mais claras a partir do quarto trimestre de 2021 e começam a controlar o ritmo de expansão dos empréstimos.

De fato, e ao contrário do que se observa na Europa e nos Estados Unidos, o ciclo de desaceleração do crédito no Brasil já está presente, principalmente para as famílias. O rápido aumento do endividamento observado depois de 2020, combinado com as altas na inflação e nos juros, elevou o comprometimento de renda com o pagamento de dívidas e passou a impactar a inadimplência a partir do segundo semestre de 2021. Reforçaram este movimento os baixos níveis da confiança do consumidor e a alta dos spreads bancários, que tradicionalmente acompanham as oscilações da taxa básica de juros.

O resultado deverá ser a acomodação da oferta e demanda por novos financiamentos. Os indicadores do banco BV, que antecipam o comportamento de mercado e consideram dados até julho, trazem os primeiros sinais de mudança no ritmo de expansão quando corrigidos dos efeitos da inflação e da sazonalidade.

No segmento corporativo, os ajustes estão em seu início. Apesar da alta das taxas de juros, outras variáveis que explicam a inadimplência, como a confiança do empresariado e o nível de utilização da capacidade instalada, termômetro da saúde financeira das empresas, ainda estão em patamares favoráveis. Com isso, os atrasos se mantêm historicamente baixos e as concessões mostram um bom desempenho.

Por outro lado, as taxas ao tomador final e os spreads estão em alta tanto no mercado de capitais quanto nas linhas bancárias, acompanhando a Selic. Esta maior cautela de bancos e investidores faz sentido diante de um quadro de menor crescimento e juros elevados, que tende a afetar a utilização de capacidade e a situação financeira das empresas. Da mesma forma, a confiança dos empresários, que costuma ser antecipada pelas oscilações no câmbio, poderá ser impactada negativamente pelo ambiente de incertezas locais e globais.

O ponto, contudo, é que o movimento esperado de ajuste nos empréstimos tende a ser bem mais suave que o dos ciclos anteriores. No caso das famílias, a leitura corrente é a de que a inflação, principal explicação para as variações da inadimplência, já iniciou sua convergência em direção às metas. Este comportamento abre espaço para que os juros de mercado antecipem cortes na taxa básica aguardados para 2023, favorecendo a recuperação cíclica do crédito. Na mesma linha, a ampliação dos programas sociais deve atenuar os efeitos negativos sobre a renda gerados por uma provável piora defasada no emprego.

Sinais nesta direção também já estão presentes. A alta da taxa de juros, mesmo com consumidores um pouco mais confiantes, faz com que as famílias parem de se endividar, pressionando menos o comprometimento de renda e a inadimplência. Os indicadores do banco BV sugerem que os atrasos nos pagamentos possam se estabilizar em um patamar próximo da média histórica.

Esta leitura é compatível com o fato de o crédito ser pró-cíclico. A mediana das projeções para o PIB de 2023 não aponta para uma recessão, como na experiência de 2014, o que sugere que a concessão de novas linhas poderá apresentar mais uma moderação no ritmo de expansão que uma contração. Este contexto é importante não apenas para permitir a recuperação das condições financeiras das famílias, mas também para suavizar o ajuste das concessões para a pessoa jurídica.

Este cenário tem seus riscos. O ambiente global e local continua atipicamente instável, tornando o quadro pouco previsível. Além de um contexto geopolítico, climático e sanitário desconhecido no mundo, o fato de a inflação na Europa e nos Estados Unidos estar em seus níveis mais elevados em quatro décadas dificulta estimar a reação dos bancos centrais e seus impactos sobre crescimento.

Não por outro motivo, os mercados financeiros nos últimos meses oscilam entre os medos de recessão e inflação, mostrando a dificuldade de se produzir diagnósticos e cenários. Localmente, a volatilidade deverá ser potencializada pelas incertezas fiscais e eleitorais.

Além disso, as séries estatísticas de crédito no Brasil são curtas e afetadas por choques com naturezas distintas. Enquanto em 2011 as mudanças regulatórias e o aperto monetário frearam bruscamente os excessos de estímulos econômicos dos anos anteriores, os componentes políticos e os escândalos de corrupção ampliaram a crise de 2014. Em 2020, a pandemia foi um evento não econômico e a inadimplência foi suavizada pelas renegociações de dívidas, incentivos tributários e estímulos fiscais e monetários.

Esta variedade de turbulências em um período tão curto dificulta o estabelecimento de padrões e reduz a capacidade preditiva dos modelos, o que é particularmente preocupante em um ambiente de riscos elevados.

Ao final da história, o mais importante é que parece pouco provável uma repetição das crises observadas na última década. O ajuste no mercado de crédito tende a ser mais uma normalização da inadimplência de empresas e famílias após o choque gerado pela pandemia.

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