Uma única certeza

Apesar de todos os ruídos gerados pela pandemia, há elevado consenso em relação à mudança do ciclo econômico global, reforçado localmente pela piora da renda, confiança e crédito.

É lugar comum falar que o período da pandemia tem sido marcado por choques e movimentos inesperados na economia. O ambiente é, de fato, atipicamente incerto. Há, no entanto, uma certeza à frente, que é a mudança de fase do ciclo econômico global.

Depois de um início de desaceleração nos Estados Unidos em 2018, a pandemia teve o papel de reforçar o desaquecimento e colocar toda a economia mundial no mesmo ciclo. Foi o que se viu a partir do segundo semestre de 2020, quando os fortes estímulos de política permitiram uma rápida e importante recuperação.

A novidade deste ano é a mudança de fase do ciclo global, com a inflação sendo o principal gatilho para a perda de fôlego do crescimento. Em um primeiro momento, as altas de preços têm tido o papel de reduzir a renda e o consumo. A partir de agora, a reação dos principais bancos centrais será fundamental para levar a um encarecimento do crédito e redução do consumo. Ruídos como a guerra na Europa e os novos confinamentos na China reforçam a reversão do ciclo.

A dúvida está na intensidade da desaceleração. O caso norte-americano é simbólico. Depois de quatro décadas com a inflação em tendência de queda, é difícil estimar a reação do Federal Reserve a um cenário marcado pelo pleno emprego e por uma variação de preços ao consumidor próxima a 9,0%.

Além disso, com uma economia ainda aquecida, os novos choques gerados pela persistência dos desequilíbrios das cadeias globais de produção e da logística internacional fazem com que o processo desinflacionário não seja óbvio e possa levar a um aperto monetário mais forte e mais longo.

Há também o efeito desconhecido de um processo simultâneo de alta de juros e redução do balanço do FED, o que pode pressionar o mercado de títulos. Neste contexto, estimar os impactos da piora das condições financeiras sobre o crescimento econômico não é algo óbvio. O que se sabe apenas é que para haver uma mudança efetiva do quadro inflacionário será preciso uma reversão relevante dos mercados imobiliário e de trabalho.

Mas apesar dos ruídos e dúvidas, a grande história de 2022 parece ser a virada no ciclo externo. A economia brasileira deverá importar parte do desaquecimento pelos canais de comércio e de capitais. Com uma menor expansão global, os preços de commodities tendem a perder fôlego, como já se observou ao longo de junho. Ao mesmo tempo, o risco financeiro internacional deve se elevar, reduzindo a atratividade do País aos ingressos de recursos externos.

Além de um menor impulso externo, o País possui desafios locais que reforçam as incertezas. Com patamares elevados de inflação e um quadro de convergência lenta do IPCA, é natural que a renda não seja beneficiada. Mais importante, o aperto monetário ainda não produziu seus efeitos plenos sobre o mercado de crédito local. Tudo indica que o pior ainda está por vir.

Por último, faz sentido trabalhar com um cenário de aumento das dúvidas eleitorais e fiscais a partir de agora, afetando a confiança dos agentes e, deste modo, as decisões de consumo, investimento e produção. Não apenas não se conhece o perfil da gestão econômica do próximo período presidencial, mas a pressão por maiores gastos públicos e a redução do crescimento e da arrecadação deverão recolocar o tema da dinâmica da dívida pública no radar.

A economia mundial, portanto, segue com suas flutuações cíclicas tradicionais. O desafio agora está em estimar a intensidade do processo esperado de desaceleração. O que se sabe, no entanto, é que os próximos trimestres serão marcados por um ambiente de maiores incertezas e tensões com a perda de fôlego do crescimento. Esta parece ser a única certeza do momento.

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