Apesar de a economia ser fortemente influenciada pelas decisões de política, é interessante notar como os ciclos econômicos possuem uma força importante. Isso significa que, neste momento, uma gestão econômica responsável pode ser suficiente para consolidar a recuperação iniciada em 2016.
A teoria dos ciclos econômicos não produziu consensos sobre as causas da sucessão de períodos e prosperidade e recessão[1]. Mas uma ideia geral é que as dinâmicas de investimento e produtividade importam para as oscilações econômicas e são sensíveis a choques aleatórios, afetando defasadamente emprego e consumo.
No caso latino-americano, o peso das exportações de matérias primas na estrutura econômica torna a região especialmente sensível a choques de oferta dados pelas variações de preços de commodities. O Brasil não é diferente e a produtividade tem sido influenciada pelas flutuações globais, com seus efeitos sobre os termos de troca e os fluxos de capitais[2]. Nos últimos anos, em especial, a China tem sido fonte importante de impulsos favoráveis e desfavoráveis.
Independentemente das causas, no entanto, o importante é que as flutuações cíclicas seguem um padrão. Nas fases iniciais, a capacidade ociosa permite que se avance sem grandes restrições. Mas à medida que a economia se aproxima de seus limites físicos, com a plena utilização da força de trabalho e do capital, aparecem distorções macro e microeconômicas, como o aumento da inflação, a piora das contas públicas e externas, excessos nos mercados de crédito e imóveis, investimentos exagerados e de má qualidade, queda da produtividade e diminuição da rentabilidade das empresas.
A continuidade do crescimento passa então a depender da maior oferta de fatores de produção e/ou de avanços na produtividade, o que, por sua vez, está associado à qualificação do trabalhador e a um ambiente de negócios que favoreça novos investimentos[3]. Enquanto isso, a política econômica tem como função básica coordenar a desaceleração e suavizar os ciclos.
O problema é que erros de política podem representar um outro choque, ampliando e aprofundando a desaceleração. Nas fases de expansão, o apoio popular incentiva a manutenção dos estímulos de política por mais tempo que o necessário, reforçando desequilíbrios, diminuindo a previsibilidade dos cenários e, deste modo, reduzindo a confiança de consumidores e empresários. Esta tem sido uma prática comum na América Latina, com a liquidez global e o crescimento incentivando gestões populistas[4] e fazendo com que a responsabilidade também seja cíclica.
Como resultado, a ajuste deixa de ser coordenado e conduz a fortes retrações, os chamados ciclos de “expansão e colapso”. Normalmente são ciclos acompanhados por crises financeiras e políticas[5], que podem gerar efeitos persistentes sobre a capacidade de a economia crescer no longo prazo[6]. Isso não impede, no entanto, a última fase do ciclo, a recuperação. As recessões têm o mérito de arrumar a casa ao reduzir custos de produção, elevar a produtividade e incentivar reformas e avanços institucionais[7].
Este padrão tem sido observado no Brasil, que ao longo do último século tem alternado euforia e depressão a cada dez anos, em média. De fato, os ganhos dos termos de troca observados nas décadas de 50 e 70 geraram dois longos ciclos que foram seguidos de retrações em meados dos anos 60 e início da década de 80. A recessão no começo dos anos 90 ocorreu após um período curto de crescimento, da mesma forma que o choque externo favorável nos anos 2000 favoreceu o emprego e o populismo, conduzindo à recessão de 2014.
Neste momento, Brasil está na fase da recuperação cíclica. A menor exuberância global e as fragilidades domésticas reduzem a margem de manobra para escolhas de políticas e para a definição da agenda econômica, incentivando, com isso, a continuidade de políticas responsáveis. Como resultado, tudo indica que o País continuará surfando a onda da retomada.
Os padrões observados no passado, portanto, aumentam a confiança no Brasil neste momento. O País deverá apresentar ao longo dos próximos anos aceleração do crescimento e estabilidade política, exatamente o oposto do observado nos últimos cinco anos. O ciclo nos ajuda.
[1] Mankiw, N. G. “Real business cycles: a new Keynesian perspective”, Journal of Economic Perspectives, 1989.
[2] Ver Cardoso, Eliana e Teles, Vladimir, “A brief history of Brazil’s growth”.
[3] Mussolini Caio e Teles, Vladimir. “Infraestrutura e produtividade no Brasil”. O estudo chama atenção para a importância do investimento em infraestrutura, que aumenta a produtividade da economia como um todo ao reduzir o “efeito congestionamento”.
[4]Dornbusch, R., Edwards, S. “Macroeconomic populism in Latin America”. NBER, may/1989.
[5] Bernanke, B., Gertler, M., Gilchrist, S. “The financial accelerator and the flight to quality”, Working Paper, 4789, NBER, July 1994. Hochstetler, K. “Repensando o presidencialismo: contestações e quedas de presidentes na América do Sul”, Lua Nova, 2007.
[6] Quando o desemprego permanece elevado por um longo período, a erosão da qualificação e treinamento da mão de obra que sai do mercado faz com que o equilíbrio de longo prazo possa ser afetado. Este efeito, conhecido como histerese, mostra como o equilíbrio da economia dependente de sua própria história ou trajetória.
[7] Alesina, A., Ardagna, S., Trebbi, F. “Who adjusts and when? On the political Economy of reforms”. NBER, working paper, Feb/2006.
Foto: Patric Tschudi/Creative Commons