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China muda o cenário

Há uma tendência natural de associar os movimentos domésticos de bolsa, juros e câmbio a apenas eventos locais. Na maior parte das vezes, no entanto, a economia brasileira e os principais ativos financeiros são guiados pelo ambiente internacional.

Embora o Brasil seja uma economia fechada, com a soma de importações e exportações oscilando ao redor de 20% do PIB nas últimas duas décadas, o PIB brasileiro é relativamente pequeno e expõe o País aos ciclos e humores globais. Quanto mais favorável o quadro externo, melhores os preços de commodities e maiores os fluxos de capitais, que normalmente atuam de modo pró-cíclico e amplificam a expansão.

A história mostra que o crescimento externo e a abundância de financiamento internacional favorecem os termos de troca e explicam tanto as variações de produtividade quanto as expansões e crises no País. Mais que o impacto direto da balança comercial, câmbio, crédito e confiança são os canais que conectam o Brasil ao resto do mundo.

Esta avaliação é bem conhecida[1]. Os ciclos econômicos e políticos no Brasil vêm sendo ditados pela economia mundial, principalmente em um contexto em que a elevada integração das cadeias produtivas sincroniza os movimentos internacionais e amplia os fluxos de comércio e capital.

Nos últimos quinze anos, em particular, o fato de os chineses terem se tornado um dos mais importantes centros industriais e de consumo do planeta passou a fazer toda a diferença. A China tem induzido não apenas o crescimento no Brasil e na América do Sul, como é tradicional, mas também o desempenho da Europa, direcionando, mais recentemente, os mercados financeiros mundiais.

Os exercícios estatísticos de correlação e causalidade mostram que a produção industrial chinesa tem influenciado, por exemplo, a indústria alemã, impactando as principais bolsas. Da mesma forma, a demanda por matérias primas na Ásia afeta a inflação mundial e, por isso, a dinâmica de juros e moedas em mercados relevantes.

A relevância da China pode facilmente ser percebida no cotidiano dos mercados financeiros. A desaceleração chinesa em 2014, por exemplo, foi acompanhada por uma queda substancial nos preços de commodities, em particular o petróleo, e por um aumento na aversão a risco global. O resultado foi a reversão dos fluxos de capitas para os emergentes, desaceleração econômica e aumento da tensão sobre juros, bolsa e moedas.

As incertezas de 2014 só foram superadas quando os indicadores de China melhoraram no início de 2016, gerando um ciclo de dois anos de euforia. Foi a fase do “crescimento global sincronizado”, permitindo que até mesmo o fracasso da reforma da previdência no Brasil, em 2017, gerasse impactos desprezíveis sobre os preços de ativos domésticos.

Este ciclo se repetiu no final de 2018. Ainda que seja possível atribuir parte da perda de dinamismo mundial observado ao longo do ano a um aumento da volatilidade geopolítica, às incertezas em relação aos juros americanos e à menor eficácia dos estímulos monetários[2], os movimentos do último trimestre coincidem com o menor ritmo da indústria chinesa. E esta perda de impulso na China está mais ligada aos controles domésticos de crédito que a incertezas globais, afetando exportações e investimentos. Neste caso, é possível que a China explique a “desaceleração global sincronizada”, e não o contrário.

Se este diagnóstico estiver correto, então os chineses poderão continuar ditando as oscilações internacionais. Desde 2007, há um padrão nas mudanças de orientação da gestão econômica na China. A estratégia é promover um pouco suave, adequando o ritmo de expansão de curto prazo à menor capacidade de crescimento de longo prazo e, deste modo, atenuando distorções e suavizando o processo estrutural de desaceleração.

Como é comum na história de vários países, após décadas de forte avanço do PIB, a China superou a fase de absorção de fatores de produção abundantes, principalmente a mão de obra. O desafio agora é elevar a produtividade para fugir da armadilha da renda média, em que os países ficam velhos antes de ficarem ricos. Paralelamente, estes ciclos têm sido dados pelos limites da política. Sempre que há espaço político, controles fiscais e de crédito são adotados e, em momentos de maior insatisfação e desconforto social, novos estímulos são concedidos, reforçando o padrão cíclico na gestão.

Apesar deste padrão, os movimentos de mercado influenciam as análises e são sempre acompanhados de apreensão. Há mais de uma década, investidores vivem com sobressaltos em relação à China, duvidando de modo recorrente da capacidade de o governo estabilizar a economia.

Neste momento, os indicadores econômicos e a reversão da tendência de queda da bolsa de Xangai mostram que os estímulos monetários e fiscais concedidos ao final de 2018 já produzem seus efeitos. Além disso, é provável que a maior integração econômica, diferentemente do período da guerra-fria, seja um incentivo para administrar conflitos e tensões geopolíticas, abrindo espaço para recuperações cíclicas.

Os dados recentes de China, portanto, reduzem o temor de recessão global dos últimos seis meses. Para o Brasil é bom sinal: enquanto avança a agenda de reformas, o quadro externo favorece o crescimento e reduz as tensões em preços de ativos locais.

[1] Ver Cardoso, Eliana e Teles, Vladimir, “A Brief History of Brazil’s Growth”, in Growth and Sustainability in Brazil, China, India, Indonesia and South Africa, OECD, 2010, Chapter 1, Paris.

[2] Koo, R. “ECB´s changing outlook on fiscal policy, outlook for US-China trade talks”, Nomura Research Institute, Mar/2019.

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