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Previdência será aprovada

Há consenso que o cenário econômico no Brasil depende da aprovação da reforma da previdência. O ambiente político, no entanto, traz leituras divergentes e faz com que as incertezas se mantenham.

A dificuldade em se ler o quadro político tem sido reforçada pelos ruídos de início de governo. Há dúvidas sobre a coordenação política e, principalmente, sobre a capacidade de se construir e administrar uma maioria no Congresso.

Apesar disso, há razões teóricas e conjunturais para se trabalhar com um cenário de rápida aprovação de uma boa reforma da previdência, mesmo que este seja um processo ruidoso. Variáveis como popularidade, desemprego, crise fiscal, herança do último governo, fragilidade da oposição e pragmatismo explicam a convicção em um resultado positivo.

O primeiro ponto é que o Brasil voltou a ter um governo popular. Após cerca de quatro anos de governos mal avaliados e com baixa legitimidade, as eleições renovaram o apoio da sociedade ao Presidente. Justamente por isso, o novo governo consegue atrair apoio do Congresso, como prevê o modelo de presidencialismo de coalizão[1].

De fato, nossa história democrática recente confirma a tese que os presidentes recém-eleitos experimentam um curto período de elevada popularidade e, por isso, possuem capacidade política para aprovar reformas. Um bom exemplo foi o Plano Collor, quando o Congresso apoiou o congelamento da poupança.

Adicionalmente, a literatura econômica[2] e a experiência internacional mostram que as reformas são aprovadas quando o custo de não reformar é muito elevado. Nas crises, o desconforto gerado pelo desemprego faz com que a maioria normalmente silenciosa demande mudanças e se una contra privilégios. Não por outro motivo, uma das marcas do último governo foram as reformas, repetindo o eterno pêndulo latino-americano entre crescimento/populismo e crise/reformas[3].

A questão da governabilidade também é fundamental. A América do Sul é rica em episódios que mostram o custo político da recessão. A crise econômica, quando associada a escândalos de corrupção, costuma levar a rupturas[4]. Quando a economia vai mal, a avaliação do governo cai e fragiliza o apoio no Congresso, gerando um círculo vicioso entre falta de reformas, baixo crescimento, desemprego elevado, insatisfação popular e aumento do risco político. A mesma lógica do presidencialismo de coalizão e exatamente o caso brasileiro em 2016.

Mas além destes modelos teóricos, fatores conjunturais também favorecem a aprovação da previdência. A herança recebida do último governo é boa. Ao reorientar a agenda econômica e iniciar um ciclo de reformas, o governo passado liderou um debate público e parlamentar sobre a previdência, permitindo mapear resistências e erros. Os aprendizados dessas discussões ajudam, neste momento, a definir melhores estratégias de negociação e comunicação.

Contribui para o debate a evolução da crise fiscal. A piora das contas nos estados e municípios agrava a qualidade na prestação de serviços públicos e amplia o entendimento sobre a necessidade da reforma.

Da mesma forma, a oposição está mais enfraquecida em função do desempenho eleitoral, dos escândalos dos últimos anos e da dificuldade em construir um novo discurso político. Finalmente, os ruídos iniciais do governo são um incentivo para melhorar a coordenação e avançar as reformas, acelerando os impactos positivos sobre emprego e avaliação do governo. O resultado é que os discursos populistas, dentre eles o de distanciamento da política tradicional, têm perdido espaço para um maior pragmatismo.

Estes modelos se ajustam bem ao quadro atual no Brasil. As taxas ainda elevadas de desemprego mantêm a sociedade intolerante e disposta a mudanças. A renovação observada nas eleições e a maior sensibilidade dos governantes aos riscos políticos são bons exemplos.

Não por outro motivo, a reforma apresentada foi bem mais robusta que o esperado, com um projeto coerente, abrangente e que, na medida do possível, simplifica, uniformiza regras e combate fraudes e benefícios excessivos. Com isso, o discurso de que a reforma é tão importante para enfrentar privilégios e desigualdades quanto para promover o necessário ajuste fiscal torna-se crível e facilita a comunicação e a superação de resistências. Não se trata apenas de mais uma forma de cortar gastos.

O ambiente, portanto, faz toda a diferença. O Congresso não opera desconectado das circunstâncias econômicas e sociais. Mesmo que a relação entre economia e política não seja mecânica ou exclusiva, ela eleva a previsibilidade dos cenários. De fato, a crise política gerada pela recessão de 2014 mostrou um Parlamento que reage rápido e é altamente produtivo em termos de reformas e ajustes.

Neste caso, ainda que o novo projeto apresentado deva sofrer alterações, seja especialmente impopular e enfrente resistências corporativas, é baixa a probabilidade de um cenário de lenta aprovação de um projeto ruim. O contexto importa e será decisivo para novos avanços institucionais.

[1] Abranches, S. “Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro”, revista Dados, vol. 31, 1988; e “Os ciclos do presidencialismo de coalizão”, mar/2014.

[2] Alesina, A., Ardagna, S., Trebbi, F.. “Who adjusts and when? On the political Economy of reforms”. NBER, Working Paper, Feb/2006 e Drazen, A., Alesina, A. “Why are stabilizations delayed?“, NBER, Aug/1989.

[3] Dornbusch, R., Edwards, S.. “Macroeconomic populism in Latin America”, NBER, May/1989.

[4] Hochstetler, kathryn. “Repensando o presidencialismo: contestações e quedas de presidentes na América do Sul”, Lua Nova, 2007.


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