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Nada de errado com a retomada

Apesar de o fim dos impulsos observados em 2017 terem corrigido o excesso de otimismo em relação ao crescimento deste ano, a recuperação segue seu ritmo gradual

Há uma frustração generalizada com o ritmo de crescimento da economia. O pessimismo tem sido reforçado pelas tensões dos mercados financeiros, incertezas globais e dúvidas eleitorais. Mas, apesar do clima, é possível dizer que a recuperação segue seu curso e indica anos melhores à frente.

Não há consenso sobre os motivos da decepção e talvez não haja uma razão única para o crescimento abaixo do esperado. Porém, uma das explicações pode ser as expectativas iniciais muito otimistas, frustradas pelo aumento das incertezas e pela perda de intensidade dos impulsos de 2017, em um contexto de ansiedade gerado pelo crescimento ainda muito abaixo do potencial.

De fato, a euforia global do ano passado estimulou a produção de cenários muito otimistas para a economia brasileira em 2018. O crescimento global e a pouca pressão inflacionária permitiram uma combinação de expansão dos negócios e elevada liquidez, empurrando os investidores para o risco e favorecendo os fluxos de comércio e capital para os mercados emergentes.

No Brasil, a queda abrupta da inflação e o aumento do emprego informal permitiram a recuperação da renda real. Em conjunto com a volta da confiança, a queda expressiva das taxas de juros e o baixo endividamento das famílias, crédito e consumo ajudaram a superar a recessão de 2014. Da mesma forma, a liberação de recursos do fundo de garantia e a produção agrícola de 2017 foram impulsos conjunturais relevantes.

Este ambiente pode ter influenciado as projeções para este ano. Além da suposição de continuidade de um quadro externo favorável, sustentando as exportações, havia a ideia de que, para as mesmas condições de renda, endividamento e confiança, os juros poderiam impulsionar ainda mais o consumo.

Em particular, a rápida recuperação da confiança de empresários e consumidores induziu à leitura de que os investimentos e o consumo poderiam ser normalizados mais rapidamente, o que não se mostrou verdadeiro. Visto de hoje, o descolamento da confiança em relação a estas variáveis parece ter sido mais um sinal da própria euforia que um indicador de recuperação da atividade.

Além das hipóteses mais otimistas, a inércia presente nos modelos estatísticos pode também ter contribuído para a construção de cenários mais favoráveis ao extrapolar os dados de curto prazo para os trimestres seguintes.

Estas expectativas mais otimistas foram corrigidas ao final do primeiro trimestre deste ano. Vários fatores contribuíram para isso. O primeiro é o aumento das incertezas. A elevada volatilidade geopolítica global, associada à leitura de alta dos juros e da inflação nos Estados Unidos, trouxe maior cautela aos investidores. Este movimento foi amplificado pelas incertezas locais, como o aumento da tensão eleitoral e a greve no transporte de cargas, reduzindo a previsibilidade e a confiança dos agentes. De certo modo, a maior pressão cambial reflete este ambiente de insegurança e reforça a interrupção da recuperação da confiança.

Ao mesmo tempo, vários impulsos observados em 2017 não foram mantidos. A perda de fôlego no crescimento global observado neste ano não ajudou o desempenho das exportações. A inflação voltou a subir, aumentou o desalento no mercado de trabalho e as incertezas fizeram com que as condições financeiras ficassem mais apertadas, afetando marginalmente o comportamento da renda, do crédito e do custo de capital. Estes fatores não foram compensados pela agricultura ou pelos gastos públicos, limitados pela profunda crise fiscal.

Tudo isso ocorreu em um momento de impaciência com o ritmo de crescimento. Como a economia ainda opera muito abaixo de sua capacidade, a demora em se recuperar os níveis de produção, vendas e emprego anteriores à crise dificulta a percepção de que a recessão já foi superada. Por mais rápida que seja a retomada, a profundidade da contração de 2014 faz com que o crescimento possa voltar ao potencial apenas em 2020. Para piorar, é possível que a economia anterior a 2014 simplesmente não exista mais. Os investimentos excessivos e de má qualidade feitos ao longo do último ciclo de expansão levaram à destruição de capital e postos de trabalho.

Mesmo assim, o ritmo de crescimento não é ruim. Apesar da intensidade da crise e do choque observado em maio, desde o início de 2017 a economia avança a uma média trimestral ao redor de 0,5%, desempenho próximo ao padrão histórico. Há, da mesma forma, boas razões para imaginar que a retomada deva continuar. Embora a piora marginal na demanda externa, confiança, renda e crédito possam ter corrigido o otimismo, não houve reversão de tendência e nada impede que a taxa de juros e a normalização dos investimentos continuem produzindo efeitos favoráveis sobre a economia.

Neste caso, é possível que esteja havendo mais uma correção de expectativas excessivamente otimistas que algo errado com a retomada propriamente dita. Seria preciso um choque muito mais intenso e duradouro para que a economia saísse dos trilhos, como uma crise global ou a vitória de uma agenda não reformista nas eleições. Não parece ser o caso, pelo menos até agora.

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