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Risco político e fiscal se confundem

Dez/17 - Como o ajuste fiscal depende de uma reforma ampla na estrutura do Estado, as eleições de 2018 fazem com que o risco fiscal se associe ao político

Como o ajuste fiscal depende de uma reforma ampla na estrutura do Estado, as eleições de 2018 fazem com que o risco fiscal se associe ao político

Protestos de 2013: população deixou claro a demanda por serviços públicos de qualidade (Foto: Pagina3/Creative Commons)

A reforma do Estado tem sido peça chave para a solução de nossa crise fiscal. Justamente por isso, as incertezas fiscais e políticas irão se confundir de modo crescente a partir de agora.

Os diagnósticos sobre a crise são claros. A forte contração das receitas explicitou os problemas na estrutura de gastos do governo. Enquanto as despesas mostraram crescimento real próximo a 9% entre 2014 e 2016, a arrecadação mostrou queda de 9% na mesma comparação.

O resultado foi um aumento substancial do déficit primário e uma trajetória explosiva da dívida pública, que saiu de um patamar relativamente estável de 57% do PIB em 2014 para valores que podem se aproximar de 80% em 2018.

A dificuldade de ajuste das contas do governo deixou este quadro ainda mais crítico. A fragilidade do crescimento e a intolerância política com novos aumentos de impostos tornaram inviável o tradicional ajuste pelas receitas. Do lado das despesas, o controle dos gastos discricionários se mostrou insuficiente para o ajuste requerido, fazendo com que mudanças nas despesas obrigatórias, reformando o Estado, passassem a ser fundamentais.

De fato, o último ciclo de expansão e populismo criou um Estado demasiadamente grande para a realidade de uma economia que ficou bem menor após o fim dos excessos recentes. Além disso, há também um problema político. Os protestos de 2013 deixaram claro a demanda da população por serviços públicos de qualidade, com o Estado precisando voltar a ser um instrumento eficiente de atendimento das necessidades da sociedade e de distribuição renda.

A questão fiscal, portanto, deixou de ser um problema de administração de política econômica ou de escolhas ideológicas sobre o papel do Estado. Enquanto o ciclo de expansão foi um incentivo para se postergar qualquer ajuste, a recessão trouxe urgência para se reduzir o tamanho do setor público e aumentar sua eficiência.

Esta, no entanto, é uma tarefa ampla. Como mostra estudo recente do Banco Mundial, além dos problemas mais evidentes na folha de pagamentos de funcionários públicos ativos e inativos, seria preciso racionalizar incentivos tributários e aumentar a eficiência e controle da maior parte dos programas sociais.

A boa notícia é que a crise gerou uma demanda social por mudanças. Apesar dos enormes desafios políticos que estes ajustes naturalmente enfrentam, parte desta agenda já ocupa o centro do debate político e vem sendo implementada desde 2015, com vários avanços institucionais. Não apenas houve uma gestão mais responsável, controlando o crescimento das despesas discricionárias, mas há hoje instrumentos para se limitar os gastos obrigatórios e o enfrentamento das inevitáveis reformas do funcionalismo público e da previdência. O redesenho dos marcos regulatórios tem permitido também a venda de ativos, com a retomada dos programas de concessão e privatização.

A partir de agora, no entanto, a continuidade do ajuste enfrentará um desafio importante. Como se trata de um processo ainda longe do fim, a baixa reputação e o ciclo político devem reduzir a confiança na capacidade de se equacionar a questão fiscal, como mostra o risco embutido nas curvas de juros.

Diferentemente do que se viu na Europa, nossa estratégia de ajuste não tem como base cortes de despesas, mas sim o controle do ritmo de crescimento das mesmas, fazendo a correção das contas públicas consumir quase uma década. A mudança na estrutura de despesas e a recuperação gradual da economia dificilmente permitirão superávits primários e estabilidade de dívida antes de 2021.

Justamente por isso, a convicção e a persistência do ajuste são fundamentais, o que pode não ser óbvio em países emergentes, principalmente durante os ciclos políticos. O economista Kenneth Rogoff(1) já mostrou que países pobres e institucionalmente frágeis são suscetíveis a pressões para se evitar os custos dos ajustes necessários para o pagamento da dívida. No nosso caso, mesmo com todos os avanços institucionais dos últimos anos, a experiência populista recente revelou nossas fragilidades e comprometeu parte da reputação necessária para ancorar as expectativas fiscais.

Este problema tende a ser agravado pelas eleições de 2018, tanto por interromper o encaminhamento da agenda fiscal quanto por gerar incertezas sobre a continuidade do ajuste. Para piorar, o cenário político tem sido dominado por discursos populistas de esquerda e de direita, com o radicalismo gerado pela crise impedindo um debate racional sobre o papel do Estado.

Neste caso, o risco fiscal passou a depender menos de medidas e esforços de curto prazo e mais da continuidade da agenda de reforma do Estado que, por sua vez, depende do resultado das eleições de 2018.

Isso faz com que as incertezas políticas contaminem as fiscais. O resultado é que mesmo que a liquidez internacional torne os investidores mais tolerantes, nossa economia está mais vulnerável a choques. Tudo indica que poderemos ter uma dura travessia a frente.

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(1) Rogoff, K.S; Reinhart, C.M. “This time is different”, Princeton University Press, 2009.

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