O problema da credibilidade fiscal

Histórico ruim, falta de convicção na agenda e regras inconsistentes dificultam a antecipação de cenários de equilíbrio das contas públicas.

 

Roberto Padovani
11 de junho 2024

 

As projeções fiscais têm contado uma história interessante. Embora os dados recentes permitam construir cenários mais favoráveis para as contas públicas em 2024, as expectativas para os próximos anos continuam refletindo a baixa confiança no equilíbrio das contas do governo.

De fato, a mediana das expectativas para o resultado primário de 2024 saiu de um déficit de 1,0% do PIB no início de 2023 para 0,70% neste momento. Para 2025, 2026 e 2027, no entanto, as projeções mudaram pouco e ainda indicam déficits.

Este desempenho sugere que há um problema de credibilidade. Nos anos 1980, ao analisar a economia política das reformas na Ásia, Leste Europeu e América Latina, os economistas Michael Bruno e Dani Rodrik mostraram como a falta de credibilidade atrapalhava as agendas de estabilização.

A tese é que existe um problema de informação assimétrica. É sempre difícil avaliar as reais intenções dos governos, que podem indicar políticas de modo oportunista. Mesmo com pouca convicção, agendas seriam adotadas de modo temporário para facilitar acordos de ajuda externa ou evitar crises de confiança de curto prazo.

A experiência internacional mostra que estas dúvidas costumam ser reforçadas por históricos desfavoráveis, falta de consenso técnico e político dentro do próprio governo e desenhos de política pouco coerentes.

Para piorar, a baixa confiança no comprometimento dos governos com agendas de estabilização não é neutra economicamente. Ao atribuir probabilidades a cenários de reversão de políticas, equilíbrios econômicos de pior qualidade são antecipados.

Ao mesmo tempo, a necessidade de convencer os agentes de que haveria uma ruptura com o passado demandaria a adoção de políticas mais duras do que o necessário, com reformas mais amplas e implementadas mais rapidamente.

O resultado é que tanto a falta de credibilidade quanto a construção de reputação têm custos elevados, o que pode inviabilizar politicamente as agendas e confirmar os temores iniciais sobre o pouco compromisso dos governos com a estabilidade econômica.

Trinta anos depois, estes argumentos podem explicar a dificuldade atual em se ancorar as expectativas fiscais no Brasil. Do ponto de vista do histórico, a grave crise fiscal de 2015 e a expansão dos gastos em 2023 reduzem a confiança no compromisso do governo em equilibrar as contas públicas.

Ainda que despesas represadas e a fadiga gerada após vários anos de ajuste justifiquem parte da expansão fiscal recente, a opção foi por uma correção ampla e rápida, com descompressão de despesas discricionárias, criação de gastos permanentes, adoção de novas regras de indexação da despesa, antecipação do pagamento de precatórios e reajustes salariais.

Com isso, a dívida pública e os resultados primário e nominal reverteram a trajetória de melhoria e voltaram para os patamares da crise de 2015. Estes sinais foram reforçados por discursos políticos pouco comprometidos com a estratégia econômica. Há a defesa da expansão fiscal, propostas de contrarreformas, críticas à autonomia do Banco Central e interferências em estatais.

Sem liderar o debate público sobre o equilíbrio fiscal, o incentivo é para que outros atores políticos também pressionem por mais gasto, principalmente em uma situação de desastres ambientais e competição eleitoral. A polarização política vista em todo o mundo pode ser um incentivo para mais gasto, conforme prevê a teoria do ciclo político dos negócios.

Além do histórico ruim e da aparente falta de convicção no ajuste, o desenho das regras fiscais não é compatível com o controle do gasto obrigatório. Sem reformas que alterem a estrutura de gastos do governo, há baixa convicção dos agentes na manutenção do arcabouço fiscal.

Da mesma forma, a literatura acadêmica sobre reformas mostra que medidas que reduzem o custo de se conviver com desequilíbrios apenas atrasam sua correção. No caso brasileiro, a estratégia de ajuste baseada na receita adia o debate sobre a rigidez da despesa obrigatória. Além disso, o tema tributário é complexo e pouco transparente, sendo difícil antecipar tanto as medidas de receita quantos seus impactos sobre a arrecadação.

Por último, há poucas restrições para mudança de metas do resultado primário, corroendo justamente a confiança na velocidade e intensidade do ajuste, base para a reconquista de credibilidade. Estratégias gradualistas em ambientes de baixa reputação não são um bom caminho para ancorar expectativas.

Os incentivos, portanto, são para que as regras sejam abandonadas, deixando de ser críveis e, com isso, reduzindo sua capacidade de ancorar as expectativas.

Sem um sinal forte do governo sobre suas intenções, será um desafio diferenciar a atual gestão das experiências passadas e mostrar que a história não irá se repetir. A leitura corrente é que o ajuste das contas públicas não será mantido, reduzindo a capacidade de se ancorar as expectativas.

Não por outro motivo, os mercados se mostram sensíveis ao tema e antecipam um novo equilíbrio econômico dado por dólar, inflação e juros mais elevados. Mesmo que a atual tensão incentive o anúncio de novas medidas, será difícil convencer que a agenda não será abandonada em algum momento. Com custos elevados, a falta de credibilidade é uma profecia autorrealizável.

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