A mudança de estratégia do Banco Central simboliza um novo equilíbrio macroeconômico gerado pela esperada deterioração fiscal.
Roberto Padovani
28 de maio 2024
Os cenários econômicos não costumam mostrar grandes mudanças de um mês para outro. Mas foi o que aconteceu agora, com o Banco Central (BC) voltando a ser o centro das atenções.
A nova estratégia do BC, no entanto, é apenas sintoma de uma mudança econômica mais ampla. A expansão fiscal está gradualmente conduzindo o país para um equilíbrio macroeconômico de pior qualidade, marcado por dólar, inflação e juros mais elevados.
As incertezas fiscais não são uma novidade. Após vários anos de ajuste fiscal, havia despesas discricionárias muito baixas, defasagem salarial de servidores, pagamentos de precatórios e desonerações tributárias diversas.
A correção destes gastos represados explica parte do aumento das despesas dos últimos meses. Em termos reais, os gastos previdenciários e com pessoal mostram expansão acima da média das últimas duas décadas.
No curto prazo, os impactos sobre as contas públicas vêm sendo controlados pelo aumento da receita, principalmente neste ano. O problema, no entanto, não é o retrato, mas a dinâmica esperada para os próximos meses. Existe uma agenda a favor do gasto.
A preferência política por mais despesa se manifesta na defesa pública da expansão fiscal e, principalmente, na pouca disposição em elevar a capacidade institucional de se controlar a despesa obrigatória, mudando a estrutura do Estado e desindexando os gastos.
A política de correção real do salário-mínimo é um exemplo, com as regras constitucionais de reajustes de despesas mostrando pouca relação com o arcabouço fiscal. Há, da mesma forma, incentivos para mais gastos em função do ciclo eleitoral competitivo e de despesas emergenciais.
Do lado da receita, é difícil supor que o atual ritmo de expansão seja sustentável. Com pouco espaço social e político para aumentos da carga tributária, a arrecadação deverá continuar acompanhando o ciclo econômico.
Por último, o discurso político e as escolhas do governo não ajudam a construir consensos em torno da agenda de estabilização. Há pouco compromisso e transparência com as regras fiscais e a estratégia de correção das contas públicas baseada em receitas atrasa o debate sobre o necessário ajuste da despesa obrigatória.
Ao mesmo tempo, as críticas à autonomia do Banco Central reforçam a opção por usar a política monetária como instrumento de ajuste fiscal, e não de controle da inflação. Junto com os ruídos em relação às empresas estatais, a gestão do período de 2006 a 2014 tem sido uma referência de agenda, marcada por estímulos fiscais prolongados, interferência política na gestão monetária, politização de temas econômicos e controle de preços e tarifas públicas.
Com isso, será difícil convencer os agentes que haverá um controle de despesas suficiente para compensar a diferença entre juro real e crescimento e estabilizar a dívida pública. A tendência é que os ajustes sejam postergados.
A deterioração fiscal, no entanto, tende a ser gradual. É preciso tempo para que as distorções se acumulem e ganhem visibilidade, o que não impede descontinuidades no futuro próximo geradas por níveis mais elevados de dívida.
Diante deste cenário de piora gradual da dívida pública, os mercados financeiros já elevam os prêmios de risco em bolsa, juros e câmbio. Mais vulnerável a choques, a moeda mudou de patamar e contribuiu para pressionar as expectativas de inflação, justificando a pausa do BC e a alta nos mercados futuros de juros. Com o aumento do custo dinheiro, há menor fôlego no crédito e no crescimento, limitando o mercado acionário.
Este novo equilíbrio de câmbio, inflação e juros foi explicitado pela comunicação ruidosa de se encerrar o ciclo de corte de juros mais cedo. Tudo indica, porém, que o BC foi apenas o mensageiro das más notícias.