O esforço para equilibrar as contas públicas não deve ser suficiente para se contrapor à pressão por mais gastos e evitar que o País repita os erros do passado.
Roberto Padovani
16 abril 2024
Na peça que Jean-Paul Sartre publicou em 1968, “Os dados estão lançados”, é dada a dois personagens a chance de voltar no tempo e mudar um destino conhecido. Os dois, no entanto, falham.
O argumento é que apenas a vontade individual não basta para mudar uma rede complexa de interesses e ações de um determinado contexto. A situação fiscal brasileira lembra a ficção de Sartre. Há poucas restrições hoje para inibir os incentivos para mais gastos e evitar que a estratégia de expansão fiscal repita a lentamente construída crise de 2014.
Por um lado, os incentivos são para aumento da despesa pública. Além das preferências políticas por mais Estado, o ciclo eleitoral é competitivo. A popularidade do governo mostra recuo em um momento em que as eleições municipais e as experiências internacionais indicam a força da oposição. Neste caso, a teoria do ciclo político dos negócios sugere que a saída seja mais estímulos monetários e, principalmente, fiscais.
Por outro lado, há poucas restrições institucionais e políticas para se contrapor a esta onda. Do ponto de vista institucional, além de poucos constrangimentos para mudanças de metas, o arcabouço fiscal é uma regra matemática que, de maneira gradual, permite o controle da dívida pública a médio prazo.
O problema é que o ritmo de aumento das despesas obrigatórias não é compatível com esta regra. Há gastos mínimos constitucionais, despesas vinculadas aos reajustes do salário-mínimo e gastos obrigatórios, como a folha de pagamentos, cujo controle depende de reformas na estrutura do Estado.
Politicamente, há restrições para que o equilíbrio das contas públicas venha pelo lado da receita. Sem um novo ciclo global de commodities e apoio da sociedade para mais aumento de impostos, os últimos anos construíram um consenso de que o equilíbrio fiscal depende mais do controle da despesa.
Da mesma forma, a preferência por mais gastos e as pressões políticas geradas pela competição eleitoral não devem ser limitadas por uma reação negativa da economia e dos mercados financeiros.
Pelo contrário. A situação fiscal brasileira é vista como melhor que a de outros mercados, em parte pelo fato de a dívida ter recuado depois da pandemia e do crescimento surpreender positivamente há vários anos.
O cenário mais provável, porém, é de uma lenta deterioração. A estabilidade macroeconômica é um valor consolidado na sociedade brasileira e a recente crise fiscal de 2014 é um aprendizado ainda vivo na memória e impede rupturas.
O ambiente, no entanto, sugere um quadro de contínuas surpresas negativas, mesmo que parte do governo mostre intenção em equilibrar as contas públicas. A cada novo evento, o sinal é que a história de 2014 pode se repetir.
Por mais que se conheçam os riscos de não se mudar o rumo das contas públicas, portanto, o contexto sugere que será difícil escapar da construção gradual de uma nova crise. Os dados já foram lançados.