Política de Privacidade

As chances da Argentina

Ajustar o Estado e reorientar radicalmente o regime econômico, mostrando ruptura com as estratégias anteriores, serão um primeiro passo para resgatar a confiança na Argentina. O problema é que se a agenda é clara na teoria, sua implementação é complexa. Tudo sugere um caminho estreito e de alto risco.
Javier Milei

 Ajuste do Estado e construção de um novo regime de política serão um primeiro passo para resgatar a confiança no país. 

Roberto Padovani
21 novembro 2023 

A eleição na Argentina foi acompanhada com grande interesse no Brasil. Menos pela expectativa de uma maior integração comercial e financeira, como se especulou no início do ano, e mais pelo interesse em saber quais as possíveis saídas da crise. 

Ainda que não se conheçam detalhes da agenda econômica do novo governo, o resultado eleitoral mostrou a impaciência da sociedade com a crise econômica, representada principalmente pela inflação elevada. Neste ambiente de pressão por respostas, governo e sistema político ganham força e legitimidade para agir. 

A questão, no entanto, é saber quais tipos de repostas serão dadas, qual a agenda que poderá evitar que o país caminhe para hiperinflação. O que é claro é que o novo governo precisará dar um choque de confiança e reorientar radicalmente o regime econômico, mostrando ruptura com as estratégias anteriores. Novas regras fiscais, monetárias e cambiais precisam ser adotadas. 

O passo inicial, base para os demais ajustes, é equilibrar as contas públicas, o grande desafio da Argentina ao longo das últimas décadas. Apesar de a crença no gasto público ser uma marca da cultura política argentina desde os anos 1950 e reforçada pelo ciclo de commodities dos anos 2000, a transição política abre espaço para que a política fiscal deixe ser o instrumento preferencial para estimular o crescimento. Redução de subsídios, ajuste da despesa pública e revisão do papel do Estado na economia por meio de um programa de privatizações são os caminhos naturais. 

Um novo regime fiscal é central para convencer os agentes que os ciclos fiscais na Argentina serão interrompidos. A ideia do economista Vito Tanzi é que nas fases de crescimento, estímulos fiscais levam a excessos, causando gargalos e inflação. Passada a euforia, os momentos desfavoráveis derrubam a arrecadação e as restrições institucionais, políticas e ideológicas dificultam o aumento da carga tributária e o ajuste das despesas. A consequência é o endividamento público e a piora das condições financeiras, gerando colapsos econômicos e políticos frequentes. 

Do ponto de vista monetário, será preciso esclarecer o discurso de campanha de extinção do banco central. Caso a instituição permaneça, são necessárias novas regras de gestão, o que inclui a proibição de financiar do governo por meio de compras de títulos públicos e emissão monetária. 

Não menos importante, a promessa de dolarização parece ter mais custos que benefícios. Além de ser um regime cambial reconhecidamente de pior qualidade por gerar instabilidade no crescimento, o desajuste das contas públicas, o contexto global de aversão a risco, a queda nas exportações agrícolas devido a problemas climáticos e os níveis cronicamente baixo de reservas internacionais reduzem o sucesso da adoção do dólar como moeda nacional. O resultado poderia ser ou uma séria contração monetária ou a compra da base monetária a um câmbio muito desvalorizado, abrindo espaço para inflação em dólar no futuro. 

Em relação ao câmbio, há consenso de que é preciso liberar e unificar o mercado cambial. Da mesma forma, o atual nível de reservas exige uma nova negociação de dívida externa. Da mesma forma, caso haja sucesso na reorientação das políticas fiscal e monetária, o governo mostra a preferência por enfrentar o custo político do ajuste fiscal, o que tende a reduzir o risco local, favorecer a atração dos fluxos externos e permitir reequilibrar as contas externas com o setor exportador deixando de ser fonte de taxação e controle de preços. 

Todas estas medidas, em conjunto, podem reduzir a pressão no mercado cambial e, caso o governo tenha a sorte de uma melhoria nas condições climáticas e retomada da economia global, será possível estabilizar o câmbio e alcançar algum alívio na inflação. 

Recuperada a confiança na gestão econômica, é possível que, no longo prazo, o sistema bancário recupere sua credibilidade e permita o aprofundamento do mercado de crédito e de títulos públicos, resgatando a capacidade de o Estado se financiar localmente. 

O problema é que se a agenda é clara na teoria, sua implementação é complexa. O custo de corrigir distorções acumuladas por muitos anos é elevado e, neste sentido, a herança que o novo governo recebe é significativamente pior. Esta dificuldade é reforçada pela necessidade de se construir apoios políticos e enfrentar a oposição, o que pode limitar a velocidade de respostas do governo. Estratégias gradualistas, no entanto, não seriam adequadas para superar a crise de confiança. 

Por último, o novo presidente é um ator político relativamente desconhecido. Há dúvidas sobre sua capacidade de ler a conjuntura, reagir a incentivos e adotar um discurso mais pragmático. Vale lembrar que o discurso populista antissistema costuma gerar um ambiente de conflito permanente, o que dificulta a implementação de uma agenda racional. Neste sentido, o encaminhamento de temas polêmicos de campanha, como política externa e banco central, será um bom teste para avaliar a opção pelo pragmatismo. 

Diante destes desafios, a chance da Argentina está na profundidade da crise, que tende a restringir as escolhas de governo e incentivar maior racionalidade. Caso o governo tenha sucesso em ajustar o Estado e construir um novo regime de política econômica, será possível retomar a confiança e interromper a tendência secular de empobrecimento do país. Mas o caminho é estreito e de alto risco. Tudo sugere que será uma longa travessia. 

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