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Agenda do clima avança lentamente

Apesar dos avanços da agenda nos últimos 30 anos, a implementação de acordos globais e de ações públicas e privadas caminha lentamente.
Planeta Terra, mudanças climáticas

Leticia Lourenço e Roberto Padovani
09 de maio 2023 

Os últimos anos trouxeram muitos ruídos na área ambiental. Além de um contexto politicamente polarizado, em que parte da disputa ideológica migrou para o campo do meio ambiente, temas como escassez hídrica, chuvas intensas, desmatamento, ondas de calor e incêndios florestais sem precedentes ocuparam o noticiário. As chuvas no litoral norte de São Paulo neste ano são um exemplo de como a mudança climática é uma crise imediata. 

Mas apesar da questão do clima ser urgente, ela vem sendo enfrentada apenas lentamente. Por um lado, a agenda tem se consolidado depois de trinta anos de discussões sistemáticas e negociações nas reuniões anuais da Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. 

Em 27 encontros, foram definidas metas para os países desenvolvidos limitarem suas emissões de gases de efeito estufa (Kyoto, 1997), ficou estabelecido o compromisso de cada país em determinar suas próprias contribuições de redução de emissões, as chamadas Nationally Determined Contributions (Paris, 2015), e foram criados fundos tanto para adaptação e mitigação (Copenhagen, 2009) quanto para perdas e danos causados pelas mudanças climáticas (Egito, 2022). Em especial, o Acordo de Paris da COP-21 consolidou um marco climático global. 

O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) tem sido também um instrumento da ciência para mostrar como o aumento da temperatura influencia a frequência e intensidade dos eventos extremos. Desde sua primeira publicação, em 1990, o relatório vem deixando claro que a mudança no clima é um desafio com consequências globais e que exige cooperação internacional, ajudando a ampliar o debate e a aumentar a conscientização sobre o tema. 

No setor privado, à medida que surgem novas exigências regulatórias e que há mudanças nas preferências de mercado, as empresas ficam pressionadas a gerenciar riscos, estabelecer compromissos para realizar uma transição para uma economia de baixo carbono, ou net zero, e desenvolver tecnologias par se adaptar a um planeta mais quente. 

Aprovada no final do ano passado na União Europeia, a lei anti-desmatamento é um exemplo de como a política externa da região tem usado seu mercado consumidor para influenciar a adoção de critérios socioambientais mais rigorosos ao redor do mundo. No Brasil, estudos patrocinados pelo banco BV mostram que os setores de commodities, pecuária, cimento, indústria extrativa, transporte, aço e alimentos deverão ser impactados de modo importante ao longo dos próximos anos.

Apesar de todos os avanços, no entanto, o relatório IPCC de março deste ano mostra que os desafios continuam elevados. Os modelos de previsão de aquecimento global, base para o desenho de políticas e ações, dificilmente poderão antecipar uma realidade sem precedentes. O cálculo dos custos de mitigação e adaptação não é óbvio e impede posições definitivas em relação ao clima. 

Além disso, a implementação de ações tem restrições políticas e institucionais. As narrativas políticas nacionais são um exemplo. Como os países ricos concentram as emissões históricas e os principais custos dos efeitos do clima recaem sobre os mais pobres, o temor de que a chamada justiça climática atribua responsabilidades ilimitadas atrapalha a dinâmica das negociações. 

Outro problema é a não obrigação de implementar os acordos, dado que o direito internacional impede a imposição de penalidades pelo não cumprimento de metas. O máximo que pode ser feito são constrangimentos que pressionem os países a agir, como a solicitação feita recentemente à Corte Internacional de Justiça para que avalie as consequências jurídicas em relação às obrigações dos países. Mesmo sem instrumentos legais para obrigar que as decisões da corte sejam cumpridas, elas carregam peso e autoridade moral para reforçar a necessidade da rápida adoção de medidas concretas para reduzir as emissões. 

Da mesma forma, o ritmo da evolução de tecnologias que permitam eficiência energética e alternativas limpas é uma dúvida e, até o momento, não tem sido suficiente para atender à crescente demanda global por energia, permanecendo a incerteza sobre por quanto tempo os combustíveis fosseis continuarão sendo necessários. 

Com isso, os acordos esbarram em elevados custos econômicos, sociais e políticos, dificultando sua implementação e a adoção de medidas claras de avaliação de desempenho. O resultado é uma estratégia de negociação que não tem como base ações imediatas, mas sim compromissos individuais de prazos longos com revisões futuras, o chamado compromisso-revisão (pledge-and-review). 

O setor privado também caminha a passos lentos. Embora bancos, empresas e investidores sejam fontes complementares de capital e de linhas de financiamento para implementar as ações climáticas, os fluxos financeiros se mostram insuficientes para ações de mitigação de danos e, principalmente, para as medidas de adaptação. Na mesma linha, mesmo com a definição recente das regras básicas para o mercado global de crédito de carbono, ainda há um longo caminho até sua implementação efetiva. 

Do lado das empresas, a preocupação é que o maior engajamento possa estar sendo usado como instrumento de marketing (greenwashing), não resultando em compromissos ESG efetivos, como ações que contribuam com as metas nacionais e globais de modo concreto e transparente. 

Os últimos anos, portanto, tiveram sucesso em criar uma agenda global sobre o clima. O problema é que não há senso de urgência mesmo com o progressivo aquecimento global se materializando em riscos climáticos concretos.

O aprendizado é que sem a imposição de penalidades para o não cumprimento de acordos e o desenvolvimento de tecnologias que apoiem e limitem os custos da transição para uma economia de baixo carbono, a velocidade de implementação de acordos globais que influenciem as políticas públicas e o comportamento das empresas segue baixo e produz resultados insuficientes para frear a atual tendência de emissões. O tempo é curto para desafios ainda tão elevados. 

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